Em mais um capítulo na queda de braços entre os poderes, o Congresso Nacional rejeitou ontem (14) uma MP (medida provisória) que abria crédito extraordinário de R$ 1,35 bilhão ao Judiciário, em retaliação à decisão do ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), sobre as emendas parlamentares.
Antes da decisão de deputados e senadores, Dino decidiu, em caráter liminar (validade imediata), sustar a execução de emendas impositivas até que os poderes Legislativo e Executivo, “em diálogo institucional, regulem os novos procedimentos” de acordo com novos parâmetros, como critérios técnicos de eficiência, transparência e rastreabilidade.
As chamadas “emendas Pix” são emendas orçamentárias individuais que repassam os recursos diretamente a estados, Distrito Federal e municípios, sem uma indicação específica de destinação.
Na prática, a decisão do magistrado tira do Legislativo o domínio de bilhões de reais do Orçamento que até então eram repassados automaticamente, devolvendo ao Executivo o poder de aprovar ou não a execução das emendas.
Contudo, a decisão não afeta os recursos para “obras efetivamente já iniciadas e em andamento, conforme atestado pelos órgãos administrativos competentes, ou de ações para atendimento de calamidade pública formalmente declarada e reconhecida”.
A decisão de Dino responde a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) impetrada pelos escritórios de advocacia Warde e Cittadino em nome do PSOL.
Na decisão, Dino considerou que não é compatível com a Constituição a execução de emendas ao Orçamento que não obedeçam a critérios técnicos de eficiência, transparência e rastreabilidade. Por isso, determinou que fica impedida “qualquer interpretação que confira caráter absoluto à impositividade de emendas parlamentares”.
Dino frisou que as emendas parlamentares impositivas devem ser executadas nos termos e nos limites da ordem jurídica, e não ficar sob a liberdade absoluta do parlamentar autor da emenda.
O rito estabelecido com as emendas constitucionais, a seu ver, tira grande parte da liberdade de decisão do Poder Executivo sobre a implementação de políticas públicas e transforma os membros do Poder Legislativo em uma espécie de “co-ordenadores de despesas”.
Lira classifica decisão de Dino como ato monocrático do STF
A resposta à decisão de Dino veio durante votação na CMO (Comissão Mista de Orçamento), que envolve deputados e senadores. Agora, a decisão precisa ser validada ou não no plenário da Câmara. O parecer contrário à MP foi apresentado pelo deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB) e aprovado de forma simbólica.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que a decisão monocrática do ministro, de limitar a execução das chamadas “emendas Pix”, não pode tirar do Congresso o poder constitucional sobre emendas parlamentares. Segundo Lira, o Parlamento tem o poder constitucional de garantir suas prerrogativas estabelecidas em cláusulas pétreas.
Ao participar do 32º Congresso Nacional das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos, Lira ressaltou a importância desses recursos para a prestação dos serviços de saúde pública no país.
A decisão do magistrado pegou parlamentares de surpresa, gerando novo foco de divergência entre o Legislativo e o Judiciário. Entre líderes da Câmara há uma avaliação de que o Judiciário estaria novamente extrapolando e invadindo as prerrogativas dos parlamentares.
Uma decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) levou o governo a abrir o crédito extraordinário para o Judiciário, contrariando o Executivo e gerando críticas no Legislativo.
Na votação na CMO, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), relator do novo arcabouço fiscal (conjunto de regras que limita o crescimento de despesas), se valeu de argumentos técnicos para defender a rejeição da medida, que liberou os recursos fora das regras fiscais. “Fazer MP para aumentar salário tirando do teto de gastos [do arcabouço fiscal]… Ao aceitarmos isso, é melhor não ter regra fiscal neste país”, disse, segundo reportagem da Folha de S.Paulo.
“O governo editou a MP para cumprir formalmente a determinação do TCU, que não deveria tê-lo feito, já que é um órgão fiscalizador das contas públicas”, acrescentou.
Por sua vez, o deputado Orlando Silva (PC do B-SP) disse que a derrubada da MP seria ineficaz, dado que boa parte dos recursos liberados pelo crédito extraordinário já foram empenhados (ou seja, já começaram a ser executados). Ele foi o único a votar contra a rejeição do texto e defendeu uma reação política à suspensão das emendas, mas com diálogo.
“O parlamento precisa, sim, dar uma resposta às interferências”, disse Silva, ponderando que é preciso estabelecer um diálogo para evitar uma escalada. “A resposta baseada numa reação intempestiva não ajuda. Nós deveríamos ter uma resposta, se necessário for, com base na razão”, afirmou o deputado.
“É necessária uma resposta política que seja eficaz, refletida, liderada pelo presidente Arthur Lira [Câmara] e pelo presidente Rodrigo Pacheco [Senado] num diálogo que produza estabilidade”, acrescentou.
PGR também atua contra emendas
Na semana passada, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou no STF uma ação direta de inconstitucionalidade, na qual questiona as chamadas “emendas Pix”. A ação foi distribuída ao ministro Dino.
As emendas foram criadas por meio da Emenda Constitucional 105, de 2019, que permite que deputados e senadores destinem emendas individuais ao Orçamento da União por meio de transferências especiais a estados e municípios. Pela medida, os repasses não precisam de indicação de programas e celebração de convênios.
Dino já havia proferido nova decisão sobre o tema em resposta à ação do PGR, reafirmando a necessidade de transparência e rastreabilidade dessas emendas.
Na liminar, o ministro reitera as determinações para controle e transparência fixadas em sua decisão anterior, proferida em outra ação, a ADI 7688, apresentada pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).
Com suas decisões, Dino tenta corrigir uma distorção originada depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu o chamado orçamento secreto, uma moeda de troca com o Congresso instituída pela gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Depois da decisão do STF, o Congresso buscou formas de driblar essa proibição, ao instituir as “emendas Pix”, por exemplo.
Redação ICL Economia
Com informações do ICL Notícias, Folha de S.Paulo e Agência Câmara