Americanas acelerou o pagamento de mais de R$ 1 bilhão em títulos de dívida antes de divulgar escândalo contábil

Uma parte dos valores dos títulos de dívidas, que só venceria em 2026, foi antecipada para 11 de janeiro. É o mesmo dia em que a companhia publicou o documento em que admitia as chamadas "inconsistências" nos balanços, interpretado pelo mercado como um escândalo contábil.
28 de julho de 2023

Semanas antes à divulgação de seu escândalo contábil de R$ 20 bilhões, a Americanas traçou um plano para tentar acelerar o pagamento de mais de R$ 1 bilhão em títulos de dívida. Uma parte dos valores, que só venceria em 2026, foi antecipada para 11 de janeiro, o mesmo dia em que a companhia publicou o documento em que admitia as chamadas “inconsistências” nos balanços, que a levariam à recuperação judicial da rede Americanas. As informações foram publicadas em reportagem da Folha de S.Paulo.

Os parlamentares da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga na Câmara o escândalo contábil das Americanas já afirmaram que cobrarão novos documentos e provas do CEO da Americanas. O objetivo é ainda reunir material para impedir que a imprensa comercial silencie sobre esse escândalo.

O fato é que alguns gestores consultados pela reportagem da Folha afirmam ter visto alguns movimentos com estranhamento, como a convocação das assembleias por um CEO que estava de saída, o posterior cancelamento e a tentativa de antecipar o resgate de debêntures marcadas para vencer em poucos meses, como eram os casos da LAMEA4 e LAMEA5.

A emissão de debêntures LAMEA3, no valor de R$ 1 bilhão, foi feita pela Americanas em janeiro de 2019 com prazo de vencimento apenas para janeiro de 2026, mas sua escritura tinha uma cláusula que permitia o resgate antecipado, para que o pagamento fosse realizado a partir do dia 11 de janeiro de 2023.

Em 23 de dezembro do ano passado, o então presidente da Americanas, Miguel Gutierrez, divulgou um comunicado ao mercado avisando que a empresa faria o adiantamento na data prevista pela cláusula.

Debêntures são títulos de dívida que as companhias emitem para captar recursos que podem ser usados para financiar seus projetos. Os investidores que adquirem esses papéis ficam com o direito de crédito sobre a empresa até a data da liquidação.

A emissão da LAMEA3, assim como a de outras debêntures, são da espécie quirografária, ou seja, se a empresa não tivesse antecipado o seu pagamento para o dia 11, seus credores entrariam no grupo dos que não têm preferência na ordem de pagamento na lista da recuperação judicial e só recebem depois de outras classes de credores prioritários, como os trabalhistas.

Credores entraram na fila para conseguir reaver o dinheiro devido pela varejista, após a divulgação do escândalo contábil

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Crédito: Eduardo P/Wikimedia Commons

A Americanas entrou em recuperação judicial no dia 19 de janeiro com dívidas da ordem de R$ 43 bilhões, mais de 16 mil credores e apenas R$ 800 milhões declarados em caixa. Ao menos outras cinco debêntures estão relacionadas na recuperação judicial.

Os credores entraram na fila para conseguir reaver o dinheiro devido pela varejista após o escândalo contábil.

Procurada pela Folha para falar sobre a coincidência das datas, a Americanas afirma que o movimento de antecipação de pagamentos foi decisão tomada antes da divulgação do fato relevante de 11 de janeiro e que o saldo da debênture LAMEA3, em setembro de 2022, era de aproximadamente R$ 216 milhões.

Questionada, a Americanas não informa quando teria ocorrido o resgate dos valores restantes do título de R$ 1 bilhão. O montante com patamar pouco acima dos R$ 210 milhões aparece detalhado nas informações financeiras da companhia desde, pelo menos, junho de 2021.

A companhia não respondeu à reportagem da Folha de S Paulo quem são os investidores titulares na emissão de debêntures LAMEA3, ou seja, quem teria recebido o pagamento antecipado.

De acordo com as informações da escritura, a subscrição ou compra dessa emissão deveria envolver no máximo 50 investidores profissionais, que podem ser instituições financeiras, seguradoras, entidades de previdência complementar, fundos, pessoas físicas ou jurídicas que tenham investimentos financeiros acima de R$ 10 milhões, entre outros.

Americanas tentou, mas não conseguiu, fazer o resgate antecipado de outras duas debêntures

Além da LAMEA3, a Americanas tentou, mas não conseguiu, fazer o resgate antecipado para o pagamento de outras duas debêntures, a LAMEA4 e a LAMEA5, de R$ 500 milhões cada uma. Emitidas em maio e junho de 2020, respectivamente, ambas tinham prazo de vencimento mais curto, para maio e junho deste ano.

Nesses dois casos, porém, suas escrituras não previam o resgate antecipado. A Americanas, então, também em 23 de dezembro do ano passado, publicou dois editais para convocar duas assembleias de debenturistas, marcadas para o dia 13 de janeiro, com o objetivo de modificar tais cláusulas na LAMEA4 e na LAMEA5, de modo a incluir a possibilidade de realizar a antecipação.

No dia 9 de janeiro, dois dias antes do anúncio do escândalo contábil e já sob a gestão do novo presidente, Sergio Rial, a empresa cancelou as duas assembleias. Sem a possibilidade de resgate das debêntures LAMEA4 e LAMEA5, ambas foram incluídas na relação de credores da recuperação judicial da Americanas.

Na lista da recuperação judicial, também aparecem outras três emissões. A LAMEA6, que envolve dívida de R$ 350 milhões; a LAMEA7, com mais de R$ 2 bilhões; e a mais recente delas, a LAMEA8, em torno de R$ 1 bilhão, emitida em 20 de outubro de 2022.

Resgates antecipados são possíveis, em geral, quando os papéis estão pagando juros mais altos que os de mercado. Nesse caso, empresas podem antecipar o resgate para trocar essa dívida mais cara por uma em condições mais vantajosas.

Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S Paulo

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