O imbróglio envolvendo a proposta de reoneração da folha de pagamentos de 17 setores da economia está perto de uma solução. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse ontem à noite (21) que o governo vai enviar ao Congresso o texto da reoneração da folha de pagamentos em regime de urgência constitucional.
Ontem, o ministro da Fazenda e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), discutiram a proposta em uma reunião. Também participaram do encontro o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e os líderes do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e no Congresso, e o senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).
“Pacheco fez uma proposta para o presidente Lula, que me consultou pela manhã em relação ao fato de que os projetos que foram deliberados no ano passado pelo Congresso deveriam ser encaminhados para o projeto de lei com urgência constitucional. Então é isso que nós vamos fazer”, disse o ministro, sem mencionar prazos.
Mais cedo, Pacheco concedeu entrevista no Congresso após a reunião, na qual informou que o governo concordou em manter a desoneração da folha de pagamento dos 17 setores, enquanto eventuais mudanças a essa regra serão discutidas por meio do projeto de lei mencionado por Haddad.
“A desoneração da folha dos 17 setores está mantida, assim será e eventuais alterações serão então amadurecidas por projeto de lei e não por medida provisória. A construção política está feita. O governo já concordou com essa premissa. Nós ajustamos isso. O governo pode propor alterações, mas o fará por projeto de lei sem eficácia imediata”, disse Pacheco.
O encaminhamento da proposta via PL debela o mal-estar gerado pela MP 1.202/23, publicada no fim do ano passado.
A MP editada pelo governo reonerava a folha de pagamento de 17 setores da economia, limita o uso de créditos tributários e revisa o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos).
No ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia vetado integralmente a proposta que prorroga, até 2027, a desoneração da folha de pagamentos para 17 segmentos econômicos, porém, o Congresso derrubou o veto.
Em resposta ao veto, o governo apresentou a MP, o que desagradou a parlamentares e empresários. Desde então, Executivo e Legislativo buscam uma saída para o problema, em um momento em que o governo busca elevar a arrecadação para cumprir a meta de déficit fiscal zero em 2024 (equilíbrio entre receitas e despesas).
Parlamentares e setores produtivos fazem ato contra reoneração da folha
Ontem, no mesmo dia em que Haddad e lideranças do Congresso buscavam uma solução para o impasse, parlamentares e representantes de setores produtivos fizeram uma coletiva de imprensa em defesa da desoneração da folha.
A proposta aprovada no Congresso no ano passado autorizava 17 segmentos econômicos a substituir a alíquota de 20% sobre a folha de pagamentos por um pagamento de 1% a 4,5% sobre a receita bruta da empresa.
Essa política começou a ser implementada no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, como forma de auxiliar esses setores a manterem emprego. No entanto, há estudos mostrando que a medida não gerou os efeitos esperados (no site ICL Economia há várias informações a respeito do tema).
“Nossa expectativa inicial seria a devolução dessa MP [1.202/23, publicada no fim do ano passado] por parte do presidente Rodrigo Pacheco, o que não aconteceu. Por isso, estamos aqui para demonstrar a insatisfação, não só dos parlamentares, mas também das frentes parlamentares, que são representadas nesse ato”, afirmou a relatora do projeto na Câmara dos Deputados, deputada Any Ortiz (Cidadania-RS).
A MP está em vigor, mas, na prática, retoma uma tributação maior para esses setores a partir de 1º de abril. A medida tem de ser votada em definitivo pelo Congresso nos próximos 120 dias, contados a partir da publicação.
O autor do projeto, senador Efraim Filho (União-PB), disse que não adianta o governo apresentar um projeto de lei idêntico à medida provisória.
“O mero transplante do texto da medida provisória para o projeto de lei não resolve Não funciona. Não atende às expectativas do Congresso. O que entendemos que o governo pretende discutir, e é bem-vindo pelo PL [projeto de lei], é uma forma de transição do modelo para sua fase final”, afirmou.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção, Fernando Pimentel, falou sobre a insatisfação do setor com a medida. “Não podemos aceitar esse aumento de imprevisibilidade e aumento de custos nessa etapa do mundo com tantos desafios que nós temos a vencer”, disse.
Desoneração da folha salarial: O que justifica e quem se beneficia dela?
O estudo “Os setores que mais (des)empregam no Brasil”, de autoria do técnico de planejamento e pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Marcos Hecksher, publicado no último Boletim Radar, explica a necessidade e os possíveis efeitos das desonerações, destacando os benefícios e problemas que podem surgir, dependendo do contexto em que são implementadas.
“Se falarmos de desonerações da folha salarial, concentradas em empresas de uma lista de atividades econômicas, podemos dizer que essas ficam autorizadas a reduzir sua contribuição previdenciária patronal quando for vantajoso que ela passe a ser calculada em função de seu faturamento, e não dos salários pagos. Assim, pagam menos do que as outras empresas pela mesma cobertura previdenciária oferecida aos funcionários de todas [as demais]. Benefícios como aposentadoria, pensão, licença maternidade e outros serão iguais para todos os trabalhadores. Porém, com a desoneração, algumas empresas terão contribuído menos do que outras”, destaca.
Um aspecto relevante a ser considerado é justamente a natureza provisória da desoneração. Ela pode ocorrer em algum momento e ser extinta em outro. Essa decisão demanda uma constante reavaliação de seus efeitos, para que se verifique se a medida cumpriu com seus propósitos originais.
De acordo com o artigo publicado no Radar, os setores da economia que mais geram empregos não são exatamente os que recebem o benefício da desoneração da folha.
“Uma desoneração pode ser benéfica, por exemplo, para estimular a economia em um momento de crise, mas, em geral, qualquer redução de tributos precisa ser compensada com um aumento da tributação em outro lugar ou com um corte de despesas públicas. Caso contrário, a receita perdida deve elevar o déficit público, que precisará ser coberto com aumento da dívida pública ou tenderá a pressionar a inflação. Nenhuma desoneração é gratuita e sempre há algum custo a ser pago por alguém”, explica.
Os setores beneficiados não são os maiores empregadores e, de 2012 a 2022, reduziram sua participação na população ocupada (de 20,1% para 18,9%), entre os ocupados com contribuição previdenciária (de 17,9% para 16,2%) e entre os empregados com carteira assinada do setor privado (de 22,4% para 19,7%).
Movimento similar é observado nos últimos dez anos com dados disponíveis da Relação Anual de Informações Sociais (Rais).
Para o especialista, há situações e modelos de aplicação em que os benefícios compensam o custo, mas isso não vem ocorrendo com a desoneração da folha salarial vigente. “Desde o início dessa política, os setores desonerados reduziram o número de empregos, enquanto os demais aumentaram as vagas”, traduz.
“É possível que a destruição de empregos nos setores beneficiados tivesse sido ainda maior caso não houvesse desoneração, mas bons estudos que simularam esse cenário contrafactual encontraram benefício muito pequeno, em número de empregos, se comparado ao custo da arrecadação perdida”, explica.
“Em parte, isso é esperado, porque essa desoneração incide sobre todo o contingente de trabalhadores já empregado em cada empresa, não apenas sobre os fluxos de aumento do emprego, quando ocorrem. Mesmo que uma instituição não contrate ninguém, ela pode pagar menos contribuição previdenciária por todos os seus funcionários. Esse modelo não funciona bem hoje e deveria ser revisto”, complementa o estudo.
Leia a íntegra do estudo “Os setores que mais (des)empregam no Brasil”, de autoria do técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, Marcos Hecksher, publicado no último Boletim Radar, clicando aqui.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias do g1 e do Ipea