O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), declarou enquanto apresentava as regras do novo arcabouço fiscal que o novo governo pretende aumentar a arrecadação de impostos neste ano para criar espaço para gastos e investimentos em 2024. O ministro rechaçou, porém, que esse ganho extra se dará via aumento de impostos.
“Não estamos pensando em volta da CPMF, em acabar com o Simples Nacional, em onerar folha de pagamento”, disse ele, no dia 30.
Segundo Haddad, a ideia do governo é combater a sonegação e acabar com benefícios fiscais a pessoas e empresas já privilegiadas. Com isso, disse ele, o governo receberia até R$ 150 bilhões a mais só neste ano.
“O objetivo é aumentar a arrecadação cobrando daqueles que não pagam e deveriam pagar”, explicou Marcelo Lettieri, diretor do Instituto Justiça Fiscal (IJF). “O governo está focando na redução da evasão fiscal, da sonegação e dos privilégios tributários.”
O governo ainda não enviou a proposta do novo arcabouço fiscal ao Congresso Nacional nem anunciou oficialmente todas suas propostas para aumento de arrecadação. Algumas delas, porém, já foram aventadas. Confira quais são as ideias:
Imposto de apostas esportivas
Haddad já se reuniu com empresas que administram sites de apostas esportivas para discutir a regulação e a taxação do setor. Hoje, essas empresas não pagam impostos, o que contraria as práticas internacionais. A estimativa do governo é receber até R$ 15 bilhões em impostos sobre jogos em 2023.
Incentivo só para investimento
Haddad já disse que o governo deve editar uma medida provisória para corrigir uma suposta distorção que reduz a arrecadação da União em até R$ 90 bilhões por ano. Segundo o ministro, empresas estariam recebendo incentivos fiscais para custeio de suas atividades corriqueiras, quando o incentivo deveria ser dado somente quando essas empresas estão realizando investimentos.
Combate à sonegação em compras online: o governo decidiu acabar com a isenção para encomendas postais de até US$ 50 (cerca de R$ 250) vindas do exterior e enviadas de pessoa física para pessoa física. A medida visa a aumentar o controle sobre compras feitas em sites como o Aliexpress e a Shopee via lojas que fingem ser pessoas só para não pagar impostos. Com a medida, todos pagarão os 60% sobre as importações. A previsão do governo é arrecadar até R$ 8 bilhões por ano com a mudança.
“A ideia do governo é acabar com essa isenção porque os sites chineses (principalmente, mas não apenas) praticam fraude e se passam como se houvesse pessoas físicas enviando os produtos”, explicou o Kleber Cabral, vice-presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco Nacional).
Para além dessas ideias, o governo já tomou algumas medidas para aumento de arrecadação em janeiro e no final de fevereiro.
Doze dias após o início do novo governo, Haddad anunciou um pacote de medidas para reequilibrar as contas públicas. A proposta incluiu uma mudança da base de cálculo dos créditos tributários do Pis/Cofins, um programa de incentivo à regularização tributária e uma mudança em regras de julgamentos do do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), dando preferência a decisões que favorecem à União.
Isso elevaria a arrecadação em mais de R$ 100 bilhões.
Já no final de fevereiro, o governo confirmou o fim da desoneração temporária da gasolina e do etanol concedida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) antes da eleição. A manutenção do desconto em impostos custaria R$ 29 bilhões à União.
O desconto foi parcialmente revisto. Uma parte dele segue reduzindo os preços dos combustíveis. Para que o caixa da União não fosse prejudicado, um imposto temporário sobre a exportação de petróleo cru foi criado.
“Queremos recuperar as receitas que foram perdidas no processo eleitoral por razões demagógicas”, explicou Haddad, na ocasião.
Isenções de Bolsonaro
Bolsonaro, além de descontos temporários em impostos sobre combustíveis, concedeu isenções fiscais, no mínimo, peculiares: para importação de jet skis, veleiros, dirigíveis, planadores e balões, visando fomentar o turismo.
As medidas não reduziram a carga tributária, conforme Bolsonaro havia prometido. De acordo com o Tesouro Nacional, em 2022, ela ficou em 33,71% do Produto Interno Bruto (PIB), um aumento de 0,65 pontos percentuais em relação a 2021 e 0,13 pontos percentuais acima do nível de 2018, quando ele venceu a eleição.
Segundo especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato, essas isenções beneficiam, na verdade, poucos cidadãos ricos, os quais deixam de pagar os impostos que poderiam pagar.
“Quem pode comprar um veleiro não pode pagar o imposto? Claro que pode. Quem pode comprar um jet ski não pode pagar imposto? Claro que pode”, criticou Mauro Silva, presidente da Unafisco. “Isso é mais um privilégio tributário para quem já tem muito.”
Privilégios tributários
Cálculos da Unafisco estimam que o Brasil concedeu, só em 2022, R$ 367 bilhões em privilégios tributários só na esfera federal, sem levar em conta estados e municípios.
Segundo o órgão, a característica essencial desses privilégios é não trazer, na prática, retorno em desenvolvimento econômico – geração de emprego e renda, por exemplo. Os privilégios não contribuem, assim, para a redução das desigualdades.
Com esses recursos dos privilégios tributários, de acordo com a Unafisco, seria possível construir 23.743 escolas para 225 alunos cada ou 207.088 unidades básicas de saúde.
De acordo com a Unafisco, o principal privilégio tributário em vigor no país é a isenção de impostos sobre lucros e dividendos. O órgão explica que a Constituição prevê a taxação desses pagamentos, mas o Brasil abre mão de R$ 58,9 bilhões ao não fazê-lo.
O presidente Lula já disse que pretende taxar esse tipo de ganho. “Nós precisamos fazer uma reforma tributária de verdade para que as pessoas mais ricas, para as pessoas que vivem de dividendos, para as pessoas que ganham mais dinheiro paguem mais imposto de renda, e as pessoas que ganham menos, paguem menos imposto de renda”, afirmou, em entrevista à GloboNews, ainda em janeiro.
O governo já anunciou que vai ampliar a faixa de isenção do IR dos atuais R$ 1.903,99 e R$ 2.640, o que beneficia os assalariados que ganham menos. Uma proposta de reforma completa do IR deve ser apresentada pelo governo ao Congresso no segundo semestre.
Por que arrecadar?
A proposta do novo arcabouço fiscal do governo prevê que as despesas passem a ser vinculadas à arrecadação. O gasto do governo poderia elevar, no máximo, 70% do aumento da arrecadação com impostos.
Isso significa que, se a União receber R$ 100 milhões em impostos a mais, poderá aumentar seus gastos em R$ 70 milhões no ano seguinte.
Levando em conta essa regra, o governo precisará arrecadar mais para poder gastar mais em programas sociais e fazer investimentos. “O novo arcabouço fiscal é totalmente centrado no crescimento das receitas tributárias do governo federal. Ele depende de mais arrecadação”, explicou Lettieri, do IJF.