Em Brasília, Lula e chanceler da Alemanha restabelecem relação bilateral

Em primeira visita oficial ao Brasil de um país do G7 sob novo governo, chanceler alemão e presidente do Brasil discutiram agendas econômica, ambiental, guerra na Ucrânia e acordo entre Mercosul e União Europeia
31 de janeiro de 2023

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o chanceler alemão Olaf Scholz conversaram com a imprensa após um encontro bilateral nesta segunda-feira (30). Em pauta, temas como a guerra entre Rússia e Ucrânia, agenda ambiental e desenvolvimento econômico. Os líderes mostraram alinhamento em assuntos sobre desenvolvimento e proteção ao meio-ambiente. Além disso, prometeram estreitar laços de cooperação, em especial na realização de um esperado acordo entre Mercosul e União Europeia.

“Vim ao Brasil para abrir um novo capítulo nas nossas relações”, destacou Scholz. “Estamos felizes com o Brasil de volta ao cenário internacional, empenhado na integração. Vocês fizeram falta, Lula. Temos grandes planos”, disse. O chanceler também comemorou a força da democracia brasileira que resistiu às investidas golpistas de bolsonaristas após a vitória de Lula.

Scholz afirmou que estava emocionado de estar em Brasília após os ataques do dia 8 de janeiro. “As imagens da invasão dos Três Poderes ainda estão muito presentes na nossa memória. Isso nos deixa profundamente consternados. Ainda vemos resquícios dessa destruição. É um sinal para a necessidade de defender a democracia. Gostaria de reafirmar que podem contar com a solidariedade da Alemanha. A democracia brasileira é forte e foi capaz de resistir a esse ataque. É impressionante e serve de modelo.”

Lula e Scholz debatem agenda ambiental

A agenda ambiental foi amplamente discutida. Trata-se do ponto de maior convergência entre Lula e Scholz. O chanceler alemão disse buscar no Brasil “como criar e expandir mercados verdes pioneiros” e estabelecer padrões para produtos industriais verdes, como hidrogênio. “O tema central de nossa cooperação será o futuro de nosso suprimento energético. O Brasil tem papel importante para avançarmos na transformação verde da economia mundial”.

Para Scholz, o Brasil tem papel fundamental não apenas no fornecimento de energia verde para o mundo, mas na manutenção da vida no planeta. “Oferecemos ao Brasil nosso apoio. Queremos elaborar uma parceria para uma transformação ecológica justa. Temos que reduzir drasticamente as emissões de CO2. O Brasil tem experiência com energias renováveis e muito potencial para exportação de hidrogênio verde. As empresas alemãs têm grande interesse em colaborar com o Brasil”, disse.

“Existem cerca de mil empresas germano-brasileiras. Queremos aumentar esse número. Estamos comprometidos com esse objetivo. Ao Brasil, cabe um papel fundamental na proteção do clima do planeta. É uma ótima notícia para o planeta que Lula esteja empenhado em proteger a Amazônia e acabar com o desmatamento”, completou Scholz.

Comprometimento

Como sinal de comprometimento com a causa ambiental, Lula citou as ações emergenciais de cuidado com povos Yanomami. Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, cresceu o desmatamento e o garimpo ilegal na região, com apoio do político de extrema direita. Lula classificou a postura de Bolsonaro como “de um genocida”.

“Vamos tomar todas atitudes para acabar com o garimpo ilegal. Vamos cuidar do povo Yanomami. Não é possível alguém ver essas imagens e ficar quieto. Tivemos um governo que pode ser tratado como genocida. É um dos culpados por isso acontecer. Ele fez propaganda que podia ter invasão, usar mercúrio. Então, acabamos com a brincadeira. Pode demorar, mas vamos tirar o garimpo ilegal. Os Yanomami conquistaram aquela terra. Era deles antes dos brancos, antes dos portugueses”, disse.

Lula ainda arrancou aplausos dos presentes na coletiva no fim de sua fala sobre a preservação ambiental. “O Brasil vai voltar a ser um país sério, respeitado e que respeita as leis e, sobretudo, os direitos humanos”, disse.

Protagonismo e guerra

A visita de Scholz sem que Lula completasse um mês como presidente revela a retomada da relevância do Brasil no mundo. Neste contexto, Lula defendeu a participação ativa do Brasil em organismos internacionais. A postura do petista diante de questões globais, como a guerra entre Rússia e Ucrânia, foi firme na defesa da paz. Enquanto Scholz reafirmou a posição alemã de rechaço completo à Rússia, Lula propôs a criação de uma mesa de diálogo e negociações.

“Falei com (Emmanuel) Macron, presidente da França, e Scholz que precisamos de um outro organismo como o G20 criado após a crise econômica de 2008. Queremos um G20 para discutir o conflito Rússia e Ucrânia. Não interessa a ninguém essa guerra. As pessoas começam e não sabem como parar. O Brasil está disposto a contribuir”, disse o presidente.

De acordo com Lula, países como China, Brasil e Indonésia podem contribuir nas negociações de paz. “Chegamos em uma situação em que mesmo os países em guerra estão preocupados. Chega uma hora que ninguém quer ceder um milímetro. Minha sugestão é criar um grupo de países para sentar com Ucrânia e Rússia para encontrarmos a paz. Vou falar com outros presidentes, vou falar com o Joe Biden (presidente dos Estados Unidos), para criarmos um grupo para tentar sentar e encontrar a paz. Tenho uma viagem prevista para a China e este é um assunto que quero tratar com (o presidente) Xi Jinping. Está na hora de a China pôr a mão na massa e tentar ajudar a encontrar a paz.”

Munições para a guerra

Scholz, por sua vez, adota um tom mais agressivo contra os russos e cobra recuo do presidente Vladmir Putin. “Condenamos a invasão da Ucrânia porque é uma violação do direito internacional que não podemos anexar um território à força. Temos uma posição clara e inequívoca. Não pode haver paz por cima das cabeças dos ucranianos. Esse é um princípio que nos tem norteado. Chamamos a atenção para negociações mas, para isso, é preciso que a Rússia de um passo na retirada das tropas”, disse.

No dia 20 de janeiro, chegou ao comando do Exército um pedido do governo alemão para que o Brasil fornecesse artigos para serem utilizadas na guerra contra a Rússia. Tratam-se de munições para tanques Leopard 1. Apesar de condenar a invasão de territórios ucranianos, Lula vetou o envio. “O Brasil não tem interesse para passar munições para que sejam utilizadas em guerras. O Brasil é um país de paz e não quer ter qualquer participação, mesmo que indireta, porque neste instante acho que devemos procurar a paz. Precisamos encontrar alguém. Até agora, a palavra paz é muito pouco utilizada”, disse sobre o caso.

Conselho de Segurança

Lula reforçou sua posição de que as Nações Unidas precisam de reformas estruturais. Em especial, no Conselho de Segurança. O órgão é formado por 15 membros, sendo apenas cinco permanentes. O Conselho foi criado no contexto do pós segunda guerra mundial e contempla as antigas potências nucleares. Para o presidente, a geopolítica de hoje não é a mesma, o que inspira mudanças urgentes.

“Queremos dizer em alto e bom som que as Nações Unidas não representam mais a realidade da geopolítica. Queremos que o Conselho de Segurança tenha força, mais representatividade, que possa ter uma linguagem que o mundo necessita. Com a ONU forte, poderemos evitar guerras, porque hoje temos guerras por falta de negociações, de um conjunto de países que interfira”, disse Lula.”

Mercosul e União Europeia

Lula e Scholz se comprometeram em avançar com um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. O petista lembrou que, quando foi presidente, em seus dois primeiros mandatos o tema já era discutido. Agora, Lula disse ter a expectativa de concretizar um projeto efetivo de integração ainda no primeiro semestre deste ano.

“Vamos trabalhar de forma dura para isso. Algo precisa ser mudado. Vamos tentar mostrar ao lado europeu como somos flexíveis e queremos ver isso também. Vamos sentar à mesa de forma mais aberta possível. Quero dizer que vamos fechar esse acordo, se tudo der certo, até o fim deste semestre. Essa é nossa ideia para que tenhamos um acordo importante. Temos muitos assuntos pela frente”, disse.

Scholz saudou a iniciativa de trabalho intenso neste sentido. “Há muitas questões para colaborarmos, como a luta contra as mudanças climáticas, a preservação da floresta tropical, a ampliação de energias renováveis, uma transformação social justa e o avanço nas relações entre União Europeia e Mercosul. Concordamos que o acordo é de interesse entre ambos. Vamos transformar nossas economias e fortalecer a cooperação ecológica e industrial. É preciso fortalecer a proteção ambiental e elevar padrões em matéria de direitos trabalhistas e sociais.”

Brasil na OCDE

Por fim, Lula destacou que o “Brasil tem vocação” para participar de organismos multilaterais. Questionado por jornalistas sobre uma possível entrada do país na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o presidente disse que está avaliando.

“Queremos participar da OCDE. Mas queremos saber qual será o papel do Brasil. Não podemos ser menores, inferiores, observadores. Temos que discutir. Estamos dispostos a saber o que representa a entrada de um país do tamanho do Brasil na OCDE.”

Rede Brasil Atual

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