Em dezembro de 2023, o Brasil chegou a um cenário bem diferente daquele projetado no dia 2 de janeiro, data em que foi publicado o primeiro Boletim Focus do Banco Central do ano. O relatório, que consolida as perspectivas do mercado financeiro para a economia de representantes de mais de cem instituições financeiras, previa para os 12 meses seguintes um dólar a R$ 5,27, um PIB (Produto Interno Bruto) mais fraco, de 0,8%, além de inflação fora da meta, em 5,31%, e uma taxa de juros de 12,25%. Paralelamente, a média das projeções para o Ibovespa em janeiro era de 126 mil pontos.
No fim do ano, o dólar estava a R$ 4,85, o PIB fechou em 2,9% no ano passado e a inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou 2023 com alta acumulada de 4,62%, abaixo do teto da meta estipulada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional).
A taxa básica de juros Selic terminou 2023 em 11,75% ao ano, enquanto o Ibovespa bombou, com recordes acima dos 130 mil.
Ou seja, o mercado financeiro errou todas as previsões e, ainda assim, a grande mídia firma-se como uma grande passadora de pano dele, funcionando como mediadora dos prognósticos pessimistas vindo de autoridades como o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o governo de São Paulo, Tarcísio de Freitas, porta-vozes dos CNPJs que formam esse ente chamado mercado.
Nesta semana, Campos Neto disse que o país tem pouco espaço no Orçamento para as políticas públicas. “O FMI [Fundo Monetário Internacional] fez um trabalho recente que compara três dimensões. Primeiro sobre a dívida em relação ao PIB, depois relacionado a quanto é a carga tributária [do país] e tem espaço para tributar mais. E depois olhar a eficiência do gasto em diversas dimensões. E nessas três dimensões o Brasil tem problemas.”
Se o Orçamento não é para política públicas, seria para quê, então? Para satisfazer a turma da Faria Lima?
E foi além: “em alguns serviços, a gente até gasta proporcionalmente parecido com o mundo emergente, mas tem uma eficiência menor”.
Na visão do presidente do BC, “a gente tem menos espaço fiscal, porque a nossa carga tributária é bastante alta comparada ao mundo emergente e a nossa dívida relação PIB”.
Segundo Campos Neto, “tendo pouco espaço, significa que a gente precisa ter inteligência, alocação eficiente de recursos e trabalhar mais com o mundo privado“.
Na mesma semana, o mandatário do BC disse que os “juros podem ficar altos por mais tempo” e que “não tem medo de fazer o que é necessário” para a convergência da inflação à meta de inflação.
A fala dele foi precificada no Boletim Focus divulgado ontem (23), no qual o mercado financeiro já elevou a projeção de inflação, do dólar e queda menor da Selic.
Mercado financeiro: Tarcísio de Freitas é mais um porta-voz do clube
Campos Neto foi levado à presidência do BC pelas mãos de Paulo Guedes, o “posto Ipiranga” da gestão da Economia do governo de Jair Bolsonaro (PL), que reclamou das empregadas domésticas que estavam indo para a Disney porque o dólar estava barato.
Outro da turma, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), alçado ao posto com a bênção de Bolsonaro, disse nesta semana que a política de valorização do salário mínimo implementada pelo governo Lula 3 “está comendo a reforma da Previdência”.
Na opinião dele, valor o salário mínimo não é prioridade, nem no aspecto econômico, nem no social. Neste último caso, disse que a segurança pública é a prioridade.
Os economistas do ICL (Instituto Conhecimento Liberta) já combateram diversas vezes em nossos canais essa narrativa de que aumento de salário e emprego é responsável pela alta da inflação e de tudo o que de ruim acontece no país.
O economista e fundador do ICL, Eduardo Moreira, que trabalhou no mercado financeiro por duas décadas, já disse repetidas vezes que os bancos são os maiores vilões do país. Ele também argumenta que os bancos são improdutivos, pois servem apenas como caminho para o dinheiro se deslocar de um lugar para outro, tirando bilhões de reais das indústrias produtivas e entregando-os a quem não é produtivo.
Lula critica quem enxerga educação, saúde e programas sociais como gastos
Desde que assumiu seu terceiro mandato, em janeiro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está tentando arrumar a bagunça deixada por seu antecessor. Há muito trabalho a ser feito e o governo tem de despender um tempo precioso negociando com o Congresso mais conservador da história do país, para conseguir tocar as pautas consideradas importantes para o país.
O petista já criticou inúmeras vezes aqueles que enxergam despesas com educação, saúde e programas sociais para os mais pobres como “gastos”. De forma irônica, o petista disse que “tudo no Brasil é gasto” e “a única coisa que parece investimento é o superávit primário”, em referência ao esforço para equilibrar as contas públicas.
A propósito, um dos lemas de campanha à eleição presidencial de 2022 do petista era “colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda”.
Economistas do mercado e das grandes consultorias apontam para o desequilíbrio das contas públicas, no momento em que o governo precisou rever as metas fiscais para os próximos anos, devido à conjuntura internacional, com inflação e juros altos nas principais economias, e os reveses sofridos no Congresso.
“O problema é que aqui no Brasil tudo é tratado como se fosse gasto. Dinheiro para pobre é gasto, investimento em saúde é gasto, investimento em educação é gasto”, disse o presidente.
Como já analisou o economista do ICL André Campedelli, propagar o discurso do mercado, colocando tudo de ruim que acontece na economia na conta dos mais pobres, é uma atitude “um tanto quanto canalha”, além de ser “elitista, para manter o status quo“.
Enquanto a grande mídia surfa no onda do medo propagado pelos porta-vozes do mercado, os números da economia brasileira no primeiro trimestre continuam surpreendendo positivamente.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias