Antes da campanha eleitoral de 2022, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) concedeu uma isenção tributária a pastores evangélicos, que engrossavam a sua base de apoio político. Agora, a benesse está na mira da Receita Federal e do TCU (Tribunal de Contas da União), por suspeita de ter ocorrido de modo atípico. Caso sejam detectadas irregularidades, a isenção pode ser suspensa total ou parcialmente.
O ADI (Ato Declaratório Interpretativo) nº 1, de 29 de julho de 2022, ampliou o alcance da isenção previdenciária a pastores. O ato, assinado pelo então secretário especial da Receita, Julio Cesar Vieira Gomes, foi publicado no Diário Oficial da União em 1º de agosto, a duas semanas do início da campanha eleitoral e no momento em que Bolsonaro buscava consolidar o apoio dos evangélicos à sua tentativa de reeleição.
Com a decisão, a Receita Federal decidiu adotar, à época, uma interpretação da legislação que amplia o alcance da isenção de impostos referentes a contribuições previdenciárias sobre a remuneração de pastores, em uma medida que favorecia diretamente aliados do ex-presidente. Desse modo, Bolsonaro atendeu a pedido feito pelos pastores para pôr fim ao que eles chamavam de “perseguição” da Receita.
Na prática, a lei isenta os pastores do recolhimento de contribuição previdenciária, desde que ela tenha relação com a atividade religiosa e não dependa da natureza ou da quantidade de trabalho. A ADI evita as multas que vinham sendo aplicadas pela Receita, após ter detectado, antes da publicação do ato, que algumas igrejas usavam um dispositivo legal para driblar a fiscalização e distribuir uma espécie de participação nos lucros aos pastores que reuniam os maiores grupos de fiéis (beneficiando lideranças de templos em grandes cidades ou bairros, por exemplo) ou as maiores arrecadações de dízimo.
Após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ato declaratório foi considerado atípico por integrantes do Fisco e, agora, passa por nova análise no órgão. Um dos pontos detectados, de acordo com envolvidos na análise, é que a edição do ato não passou pela avaliação técnica da subsecretaria de tributação da Receita.
Ex-secretário que assinou isenção tributária a pastores está na mira da investigação do caso das joias sauditas
Julio Cesar Vieira Gomes, que assinou a ADI, está agora na mira das investigações do caso das joias milionárias dadas de presente pelo governo ditador da Arábia Saudita ao ex-presidente e à ex-primeira-dama Michelle. O ex-secretário do Fisco tentou intervir pessoalmente para reaver as joias apreendidas pela Receita no aeroporto, durante passagem da comitiva do governo federal que vinha daquele país.
Sobre a isenção tributária a pastores, ele negou à reportagem do jornal Folha de S.Paulo ter havido atipicidade no ato e diz que todas as normas da sua gestão foram regulares e seguiram a tramitação devida.
Ainda segundo a reportagem da Folha, o Fisco enviou as informações sobre o caso ao TCU em fevereiro deste ano. O tribunal havia aberto, ainda em 2022, um procedimento para investigar possíveis irregularidades na edição do ADI e solicitou informações à Receita.
No último dia 17 de março, a Secretaria de Controle Externo de Contas Públicas do TCU pediu informações complementares à Receita, como esclarecimentos sobre se o ato não exorbitou o poder do órgão de regulamentação, tendo em vista que a “isenção tributária deve ser interpretada de forma literal, nos termos do Código Tributário Nacional”.
À época da edição da ADI, o Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal) chegou a se posicionar, dizendo que a medida “extrapola a competência da Receita Federal para atos normativos”. “Ao reduzir as condicionantes para o que se considera remuneração para fins de incidência previdenciária, a Receita Federal faz com que mais remunerações se considerem isentas. Uma ação que prejudica tanto a arrecadação presente quanto créditos tributários já constituídos e produz efeitos danosos nas contas da seguridade social”, disse a entidade.
Segundo a reportagem da Folha, em 2022, a lista pública de devedores inscritos na Dívida Ativa da União apontava as entidades religiosas com um débito de R$ 1 bilhão, sendo R$ 951 milhões relacionados à Previdência.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo