Setor de serviços é o que salva a economia

Tanto o setor industrial quanto o comércio vêm apresentando, mês após mês, um comportamento problemático, com poucos resultados positivos e quedas consideráveis
10 de outubro de 2022

Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *

Os últimos dados relativos à economia brasileira mostraram um fato consolidado, o setor de serviços vem carregando a economia brasileira nas costas nos últimos meses. A única outra área importante do PIB, que ainda apresenta certo nível de atividade é a agropecuária, mas sua participação na formação geral do PIB é baixa (menos de 10%), além de ser um setor em que os recursos e os ganhos ficam muito concentrados e restritos a poucas pessoas. Dessa forma, nos grandes centros urbanos e para economia real do Brasil, tem acontecido uma dependência cada vez maior dos serviços para termos algum nível de atividade econômica no país, o que é um péssimo sinal.

Tanto o setor industrial quanto o comércio vêm apresentando, mês após mês, um comportamento problemático, com poucos resultados positivos e quedas consideráveis, e muitas vezes generalizada, afetando todos os ramos nos índices das pesquisas mensais divulgadas. Temos no momento uma indústria que pouco produz, com baixo investimento, elevada capacidade ociosa e um comércio que pouco vende, mesmo em meses com datas comemorativas importantes, como foi o caso do mês de agosto com o Dia dos Pais, ou o mês de junho com o Dia dos Namorados.

Mas qual a razão de termos uma situação tão complicada para estes setores, enquanto nos serviços, parece que a economia vai bem? O primeiro motivo é a baixa renda do brasileiro, que mesmo com uma pequena elevação neste ano, pouco afetou o volume de compras realizadas. O brasileiro, com a pequena renda extra que conseguiu, decidiu se divertir, fazer as unhas, cortar o cabelo, contratar um bom plano de celular e assinar um novo streaming. E nada mais natural do que isto, pois depois de um longo período trancado em casa devido à pandemia, as pessoas estavam cansadas e precisando utilizar espaços públicos com mais frequência.

Mas a renda atual permite somente o brasileiro a fazer uma coisa ou outra. Não está sendo possível atualmente o trabalhador ter uma atividade de lazer, como ir a um restaurante ou a um bar, e comprar um agrado a si mesmo, como uma roupa diferente, um sapato, novos móveis ou até mesmo bens de perfumaria. Todos estes ramos apresentam, quando muito, algum nível de melhora em um mês, mas logo passam a cair consideravelmente em seguida. A instabilidade tem sido a marca do comércio neste ano, mas a tendência sempre acaba sendo de queda no fim das contas.

E aí entra a indústria, que produz bens para o comércio vender. Cada vez mais um processo de desindustrialização no país é percebido, que tem se aprofundado com força desde o governo Temer. Todas as condições de produção se encontram afetadas, já que a demanda é baixa e a competição externa é cada vez mais cruel com o pátio industrial brasileiro. Para ajudar, desde a crise de 2015, a indústria possui uma elevada capacidade ociosa, ou seja, grande parte da planta produtiva das fábricas não vem sendo utilizadas. Isso reduz e muito a necessidade de investimentos, afetando consideravelmente, por exemplo, a indústria de bens de capital.

E uma vez que as pessoas não estão comprando bens, qual o sentido de a indústria aumentar sua produção? Não existe um vislumbre de demanda futura que faça com que as indústrias acelerem sua produção. Então estamos em uma situação um pouco mais grave do que inicialmente poderíamos imaginar, já que, não é somente o investimento que está baixo, ele não faz sentido agora, uma vez que existe uma grande quantidade de máquinas, equipamentos e espaços industriais ociosos que precisam passar a serem usados para que, no futuro, o empresário pense em algum nível de expansão.

Mas com um comércio tão pouco aquecido, e as pessoas têm aproveitado sua renda para fazer tudo aquilo que foram podadas durante os piores momentos da pandemia, o vislumbre sobre o futuro é negativo, não animando o empresário. A situação deve demorar algum tempo para ser revertida. Então resta o setor de serviços, que já é o responsável pela maior parcela do PIB brasileiro (acima de 60%), e é justamente aquele que vem ajudando a economia a crescer neste momento. O dinamismo brasileiro vem justamente desse ramo peculiar. Mas ao mesmo tempo, nossa dependência dos serviços mostra a real situação da economia brasileira.

O setor tradicionalmente é aquele no qual se pagam menores salários, em que a proteção trabalhista é menor do que nos ramos industriais e que gera baixíssimo valor agregado nos seus produtos. Além disso, a necessidade de formação educacional para boa parte das vagas deste setor é de poucos anos de ensino. Então temos um emprego com chances grandes de serem mais precarizados neste ramo do que na indústria, por exemplo. Mas é o único setor que vem ampliando suas vagas de emprego, e vem absorvendo cada vez mais trabalhadores dos outros setores.

Temos aqui um retrato do Brasil atual e de sua dinâmica econômica. Um país completamente dependente de um setor que costuma ter empregos de pior qualidade, quanto os demais ramos passam por grandes problemas. O comércio vem dia após dia tendo resultados menores e a indústria cada vez mais perde relevância na economia brasileira como um todo. Um dos desafios ao final deste governo é mudar tal situação, melhorar a qualidade do emprego e reduzir consideravelmente a dependência da economia brasileira do setor de serviços.

*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais

*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorado pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira

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