O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou ontem (13), depois de muita pressão do mercado, que a equipe econômica vai se debruçar sobre uma proposta de corte de gastos do governo. É claro que o governo se preocupa com a questão, tanto que Haddad defende o déficit zero, mas para o tal mercado esse aceno não é suficiente, e vem cobrando um compromisso fiscal ao mesmo tempo em que ataca as medidas anunciadas pelo governo para aumentar a receita, como toda a questão envolvendo a desoneração da folha de pagamentos.
Ou seja, o que querem realmente é o corte de gastos que, como já explicaram os economistas do ICL Deborah Magagna e André Campedelli, “é uma visão mais ligada ao liberalismo e à ortodoxia econômica do que a uma visão mais
progressista da economia. É a lógica de que é preciso primeiro formar poupança interna para depois realizar os gastos necessários. É a velha comparação do orçamento público com o orçamento de uma casa. Mas essa visão é completamente equivocada, pois a única forma de conseguir fazer poupança é gastando antes, que vai gerar renda e que, somente depois, vai acabar gerando poupança”.
De qualquer foram, o anúncio ajudou a aplacar parte do mau humor do mercado financeiro, depois do tombo de anteontem (12) na Bolsa brasileira. Ontem (13), depois da fala de Haddad, o Ibovespa, principal indicador da B3, fechou em queda mais leve.
Em entrevista ao jornal O Globo de hoje, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, disse que há um “cardápio” de medidas que serão apresentadas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e que “tudo está na mesa”, referindo-se aos tipos de gastos a serem cortados. Como as possibilidades são muitas, ela se diz otimista.
Entre os pontos que estão em avaliação, segundo ela, tem a revisão da previdência dos militares, tema que não foi confrontado pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Pelo contrário, as benesses concedidas aos militares durante a gestão do ex-capitão do Exército foram gigantes.
Segundo ela, o próprio TCU (Tribunal de Contas da União) fez um alerta em relação à previdência dos militares.
“A gente já vinha fazendo um trabalho, e agora vamos intensificar. Ao invés de a equipe se reunir duas vezes por semana, é para se reunir todos os dias, duas horas por dia, e já no final de junho apresentar um cardápio com possibilidades. Tudo está na mesa, nada está interditado, a não ser a valorização do salário mínimo e a desvinculação da aposentadoria [do salário mínimo]. Quando a gente fala de desvinculação, a gente não fala da aposentadoria, mas dos outros benefícios temporários”, disse Tebet, referindo-se ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), abono salarial, seguro-desemprego, auxílio doença.
“Vamos ver como a gente pode modernizar. Eu tenho “N” possibilidades, eu tenho uma avenida. Essa avenida pode virar uma rua mais estreita sob a ótica da vontade política, mas, mesmo assim, é uma rua onde vai poder passar muita coisa”, complementou.
No radar da equipe econômica, estão cortar gastos que atenderiam “a vontade não só do presidente Lula, mas também do Congresso Nacional”.
Questionada sobre se cumprir a meta fiscal pela via do aumento da arrecadação chegou ao limite, Tebet disse que não sabe. “Não sei se chegou ao limite. Na justiça tributária, não. Mas na criação de impostos, sem dúvida nenhuma. Nosso foco é a meta [de déficit] zero, não só este ano, como no ano que vem. Para conseguir alcançar a meta zero em 2025, nós vamos ter que tocar na esteira da revisão de gastos”, frisou.
Tampouco ela sabe do apoio do presidente ao corte de gastos, pois “nem ele sabe o trabalho que nós estamos fazendo”. “Quando foi que, no Brasil, o governo falou em qualidade de gastos ou revisão de gastos? Nunca. O Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação], por exemplo, tinha acordo de chegar a 15% [de complementação pela União], o Congresso colocou a 23% e ninguém falou nada; 23% chegarão a R$ 70 bilhões em 2028. Não preciso discutir diminuição do percentual, mas posso abrir o escopo. Pode servir para ampliar o leque de financiamento da educação”, pontuou.
Corte de gastos: pisos da Educação e Saúde não devem ser mudados, mas realinhados
A equipe da Fazenda vem estudando uma proposta de limitar o crescimento real dos pisos de Saúde e Educação a 2,5%. Mas a proposta enfrenta resistências na ala política do governo e na cúpula do PT. Essa é uma das ideias para garantir a sustentabilidade do arcabouço fiscal e harmonizar o ritmo de alta dessas despesas à correção do limite geral de gastos.
Um técnico do governo disse à Folha de S.Paulo que a medida teria impacto pequeno no Orçamento de 2025 e 2026, o que desmotiva a ala política a assumir o elevado custo político da discussão em troca de um “ganho zero” para o restante do mandato.
Em relação a uma eventual mudanças nos pisos da Educação e Saúde, Tebet se disse contra, embora isso seja uma preocupação dentro do governo. “Está dentro do nosso programa de revisão de gastos, no cardápio de alternativas. Sou contra mudar o percentual de piso porque isso não passa no Congresso. É uma questão de realinhar a qualidade desse gasto”, disse.
Questionada sobre se, no lugar de mudar percentuais, pode adotar a mesma regra do arcabouço fiscal, ela devolveu: “Só vou deixar uma pergunta no ar: vocês já pensaram o que significa colocar 2,5% (real) de trava na Saúde? Então não interessa mexer. Por que o presidente Lula vai se desgastar com uma pauta dessa se não vai trazer um centavo de dinheiro em caixa? E vai ter que colocar, às vezes, até mais. Está entendendo como é simples a resposta. Revisão de gastos requer inteligência emocional. Não tenho problema nenhum de ser aquela que tem que dar notícias. Mas é com muito diálogo”, enfatizou.
Tebet manda recado a Campos Neto
Sobre a expectativa de que o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central pode parar de cortar a taxa básica de juros, Tebet foi enfática: “Não quero colocar mais lenha na fogueira esta semana. Será uma decisão do Copom das mais importantes e vai requerer da parte deles a maior responsabilidade possível e a maior autonomia”, disse.
Porém, frisou que, quando fala de autonomia, “estou falando dos dois lados, inclusive do próprio presidente Roberto Campos Neto, que tem de entender que, por enquanto, ainda é presidente do Banco Central — que nós aprovamos, com o meu voto, que é autônomo”.
“Se sempre se reclama da fala da equipe econômica ou do governo sobre o juro cair mais rápido, então a mesma crítica vale agora para o presidente do BC. Até o fim do ano ele é presidente do BC. Que ele leve isso em consideração, independentemente de ter quaisquer pretensões políticas futuras ou mesmo imediatas. Se vai ser secretário de Fazenda, se pretende ser ministro etc. Que isso seja levado em conta para a própria credibilidade do BC autônomo”, completou.
Redação ICL Economia
Com informações de O Globo e Folha de S.Paulo