A questão fiscal brasileira entrou em pauta novamente, muito devido à posição do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e sua insistência de manter a meta de zerar o déficit fiscal em 2024. Para isso, seria preciso um grande esforço de aumento de receitas e, inclusive, algum corte de gastos sociais. E os resultados que apareceram na semana passada mostram que essa meta está cada vez mais distante. Isso fez com que ganhasse relevância algo que não é importante no debate econômico brasileiro neste fim de ano.
A discussão ocorre justamente por causa do Ministro da Fazenda. O arcabouço fiscal manteve velhos problemas que eram observados durante os tempos do teto de gastos. Alguns gastos naturalmente vão crescer mais do que o limite proposto pelas novas regras fiscais, como os gastos previdenciários, o que vai pressionar por um crescimento menor ou até mesmo por um corte em algumas pastas importantes do Executivo. E, tendo a necessidade de se alcançar uma meta, que nesse momento é cada vez mais irreal, a situação se complica ainda mais.
O funcionamento do regime fiscal montado por Haddad depende basicamente de duas coisas para funcionar: um elevado crescimento econômico e um grande aumento de receitas fiscais gerados por tal aceleração econômica. Mas, ao mesmo tempo, esse regime desestimula o investimento público devido às restrições de despesas, o que coloca todo o peso do crescimento econômico nas costas do setor privado.
Esse movimento pode ser bastante incerto, pois nada garante que vá existir uma forte perspectiva de demanda sem o volumoso poder que o gasto público pode gerar na economia.
O grande problema, no entanto, é que tal discussão não deveria nem acontecer. O debate só ocorre devido às regras propostas e pelas metas definidas pelo próprio Ministério da Fazenda, gerando uma sensação, inclusive no público em geral, de que a situação fiscal brasileira está fragilizada, de que ela pode atrapalhar o desenvolvimento econômico e ter efeito sobre todos os componentes macroeconômicos. Caso ocorra ou não o déficit fiscal, isso pouco alteraria, ao menos nesse momento, o ritmo de crescimento e a inflação brasileira.
O déficit é altamente controlado e poderia até ser aumentado para estimular o gasto público em investimento, gerando no médio prazo uma situação de superávit mais robusto inclusive. Isso não geraria nenhum impacto inflacionário no Brasil, que nos últimos anos tem sofrido somente com choques de oferta, devido à alta de preço de combustíveis puxada pelo preço internacional do barril de petróleo ou pela alta do preço dos alimentos. E o déficit fiscal não afeta em nada a dinâmica de preços desses tipos de bens.
Então, na verdade o déficit poderia ser benéfico para a economia brasileira se ele fosse resultado de um gasto mais volumoso em investimento, que geraria terreno futuro para um saldo mais positivo nas contas públicas brasileiras.
Porém, o governo decidiu ir por uma via mais fiscalista, pensando na situação de curto prazo e apostando numa boa resposta do setor privado.
A grande verdade é que esse não deveria ser um problema ou uma discussão, mas acabou se tornando graças ao próprio governo e às suas escolhas econômicas.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorando pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira