A desoneração dos combustíveis, do transporte coletivo, da energia elétrica e da comunicação, com o objetivo de reduzir os impactos desses serviços na inflação, além de ser ineficaz, traz prejuízos econômicos a estados e municípios e, consequentemente, para toda a sociedade. Essa é a conclusão de nota técnica elaborada pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), que se debruçou sobre a Lei Complementar 194/2022, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em junho passado.
Publicada com a intenção de tentar alavancar o nome de Bolsonaro, candidato à reeleição, nas pesquisas de intenções de votos, a medida eleitoreira realmente conseguiu negativar o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) nos meses de julho e agosto, devido à queda nos preços dos combustíveis.
Contudo, a nota técnica do Dieese “Redução do ICMS dos combustíveis, energia elétrica, transportes e comunicação” aponta que seus efeitos, além de serem de curto prazo, trazem enormes prejuízos à sociedade por reduzir o caixa de estados e municípios, impactando fortemente investimentos em serviços essenciais, principalmente à população mais vulnerável.
Trecho da nota diz que “apesar de ter sido criada com o intuito de reduzir o impacto de alguns bens e serviços essenciais na inflação verificada nos últimos dois anos, (a lei) talvez não cumpra o objetivo a que se propõe e ainda signifique redução de arrecadação para estados e municípios, com prejuízos expressivos para a sociedade, principalmente nessa conjuntura adversa, de baixo crescimento econômico, elevado desemprego e maior pressão sobre os serviços públicos”.
A nota ainda corrobora o alerta dado pelos economistas do ICL Deborah Magagna e André Campedelli, de que a medida eleitoreira tem efeito de curto prazo. Além disso, os economistas salientaram que a queda no preço dos combustíveis aconteceria de todo modo, devido à redução nos preços do barril de petróleo. Ainda, salientaram que a inflação brasileira continua impactando a população mais pobre.
“A tentativa do governo de baixar o preço dos combustíveis via redução do ICMS é mais uma mostra de que os mais pobres são prejudicados para seja alcançado o objetivo final. Podemos começar nossos exemplos desde o período da ditadura militar. Durante os primeiros anos dos governos militares, o país passava por uma inflação persistente e elevada havia anos. A solução tomada naquele momento foi fazer uma regra que realizasse um reajuste defasado dos salários, retirando o poder de compra e aumentando ainda mais a disparidade de renda, o que acabou como marca do período ditatorial brasileiro”, disseram os economistas em artigo.
Por usa vez, o Dieese aponta na nota técnica que, sem uma mudança na regra de formação de preços, os combustíveis continuarão subindo. “No caso dos combustíveis e derivados de petróleo, sem a mudança na política de Paridade de Preços de Importação (PPI), adotada pela Petrobras, os aumentos continuarão tantas vezes quantas forem as elevações no preço do petróleo no mercado internacional. E mesmo que as altas na cotação do barril do petróleo não sejam tão recorrentes, há também o efeito do câmbio, uma vez que parte dos combustíveis utilizada no país tem sido importada, devido ao desmonte do parque de refino, a partir da decisão da petrolífera de vender metade das refinarias”, salienta a instituição na nota.
Política de desinvestimento da Petrobras faz governo perder controle sobre preços dos combustíveis, diz Dieese
Em seu estudo, o Dieese ainda aponta que a política de desinvestimento da Petrobras, com vistas a pagar mais dividendos a seus acionistas, em curso desde 2016, fez com que o governo federal, maior acionista da estatal, também perdesse “o controle sobre os preços dos combustíveis como um todo, uma vez que, a partir da privatização, as empresas que adquirem as refinarias podem adotar a própria política. O caso da Acelen, na Bahia, é um exemplo bem didático”.
A desoneração fiscal fez com que estados e municípios recorressem ao STF (Supremo Tribunal Federal) para tentarem reverter o processo. Nesse aspecto, o Dieese observa que, ainda que haja compensações previstas, há impactos diretos da medida nos investimentos dos serviços ofertados à população, como educação e saúde. “Em resumo, pode ser uma medida com pouco efeito e de duração limitada, mas com consequências danosas e duradouras sobre as finanças estaduais e municipais, ferindo o pacto federativo, ao reduzir a autonomia dos estados sobre a própria política tributária”, diz a nota.
A Lei Complementar 194/2022, que institui a redução da tributação sobre bens e serviços essenciais, altera o Código Tributário Nacional de 1966 (Lei nº 5172/1966) e a Lei Kandir (Lei Complementar nº87/1996), com o objetivo de reduzir a carga tributária sobre os preços dos combustíveis, energia elétrica e equipamentos de telecomunicações.
Desoneração dos combustíveis faz com que estados percam receita
Sancionada por Bolsonaro em junho de 2022, a principal mudança é a reclassificação de alguns produtos, a fim de que sejam considerados essenciais, o que, por sua vez, faz com que a alíquota máxima seja inferior às alíquotas praticadas antes de a nova legislação começar a vigorar.
A primeira modificação ocorreu no Código Tributário Nacional, em relação ao ICMS (Imposto sobre Circulação de Bens e Serviços) de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, de modo a considerar os combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo como bens e serviços essenciais. A mudança impôs um teto ao ICMS entre 17% e 18%.
Com o teto das alíquotas do ICMS, os estados, que dependem majoritariamente das receitas desse imposto para funcionarem, perderam arrecadação em um momento bastante crucial para a economia, com inflação ainda em alta, economia crescendo devagar e após a paralisação de muitas atividades com as restrições impostas pela pandemia de Covid-19.
Por isso, alguns deles ingressaram com ações no STF reivindicando a compensação integral do ICMS perdida pela limitação das alíquotas. São Paulo, Alagoas, Maranhão e Piauí conseguiram liminares que obrigam a União a compensá-los das perdas com a arrecadação do ICMS. Após essa decisão, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Acre, que já esperavam deliberação semelhante, foram contemplados por medidas cautelares deferidas pelo ministro Gilmar Mendes, do STF.
Redação ICL Economia
Com informações da nota técnica do Dieese