Governo faz uso político da inflação, que ajuda a encher seu cofre

Abrir mão de imposto sem garantia de que essa receita continuará a crescer adiante pode agravar mais a situação das contas públicas, alertam especialistas
3 de maio de 2022

A alta inflação, que em qualquer país do mundo é motivo de muita preocupação por parte dos governantes, aqui no Brasil, no governo Bolsonaro, parece ser diferente. O índice acima de 10%, que corrói a renda da população, é visto como um fator que aumenta o caixa do governo, porque eleva a arrecadação dos impostos e ajuda o Executivo a colocar em prática seu “pacote de bondades” com o objetivo único de reeleição.

A arrecadação de tributos consiste, em geral, em um percentual sobre o valor cobrado sobre produtos e serviços. Assim, o aumento de preços faz com que o valor levantado pelo governo suba imediatamente. Porém, a maior parte das despesas públicas não tem correção imediata, porque são gastos atrelados ao salário mínimo, corrigido apenas uma vez por ano. Assim, com base nessa defasagem entre os recursos que entram no caixa e os que saem dos cofres públicos, é que o governo viu espaço para aumentar a concessão de benefícios – o “pacote de bondades eleitoreiro”.

Economistas explicam que, na prática, é como se os cidadãos estivessem pagando um tributo a mais: o inflacionário.

Em entrevista ao jornal O Globo, a professora de economia do Insper, Juliana Inhasz, explica que esta atitude do governo leva ao fenômeno que ficou famoso no Brasil dos anos 1980: o imposto inflacionário. “Não é um imposto que você paga de boleto, como IPTU e IPVA, mas é um imposto que a inflação cria dentro da economia, como se as pessoas estivessem pagando um tributo. Elas são obrigadas a consumir menos, se deparam com um poder de compra menor e não têm como se negar a pagar esse custo maior, porque ele está no caixa do mercado, na hora que paga o produto, embutido no preço”, ressalta.

Ainda segunda a professora, a elevação da arrecadação não é sustentável e, em breve, o governo vai se deparar com a elevação dos próprios gastos, também motivada pela alta da inflação, a se refletir no aumento dos custos de compras com novos contratos e reajustes salariais.

Conta vai ficar para o próximo governo

Essa constatação no aumento dos custos para o governo, no entanto, só vai acontecer no próximo governo. Com isso, o governo Bolsonaro segue fazendo, cada vez mais, renúncias fiscais. Estimativas do Ministério da Economia apontam que a renúncia fiscal chega a R$ 43,4 bilhões, considerando apenas a redução da alíquota de IPI e PIS/Cofins dos combustíveis.

Segundo cálculos do governo, somente a redução de 35% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) vai representar uma renúncia fiscal de R$ 23,3 bilhões este ano, chegando a R$ 31,9 bilhões em 2025.

Teto de gastos

O professor Roberto Ellery, da UnB, em entrevista ao O Globo, aponta outro “problema grave” relacionado com a inflação: a mudança no teto de gastos do governo para permitir aumento de despesas em ano eleitoral. Foi alterado o prazo do cálculo para ter um índice de correção das despesas mais alto, já que o teto de gastos é calculado pela inflação. Para ele, “o ponto principal do teto era forçar escolhas no Orçamento. Se o governo quiser atender a um grupo, deve arcar com os custos políticos de contrariar outros grupos. Mudar o teto de forma a permitir aumento de gastos quebra esse princípio. No lugar de escolher quem atender e quem enfrentar, o que deveria ser normal em uma democracia, o governo optou por agradar aos congressistas para aumentar o limite do teto em 2022 e facilitar outras escolhas.

Ellery cita, como exemplo, o orçamento secreto — emendas do relator nas quais não há transparência e destinadas às regiões que formam a base eleitoral dos parlamentares — para obter o apoio do Legislativo a projetos de seu interesse. “É o caso clássico de comprar apoio político com recursos do Orçamento. No passado, isso deu processo e até cadeia. Agora querem legalizar”, explica o professor.

Redação ICL Economia
Com informações das agências

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