Economistas gabaritados engrossaram o coro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas críticas à taxa Selic, que atualmente está em 13,75% ao ano. André Lara Resende, que integrou o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e Luiz Carlos Bresser-Pereira, que foi ministro Fazenda (1987) e hoje leciona na Fundação Getúlio Vargas, emitiram alerta de que a taxa básica de juros da economia brasileira está errada.
Resende, a quem não se pode atribuir a alcunha de petista ou lulista, disse, em entrevista à edição de ontem (12) do programa Canal Livre, da TV Bandeirantes, que não faz sentido manter a Selic no patamar atual. “Faz sentido nesse contexto você ter uma taxa de juros há dois anos nesse nível? Claramente não. Os objetivos do Banco Central, determinados na lei que deu autonomia ao Banco Central, são o controle da inflação, a estabilidade do sistema financeiro e a garantia do pleno emprego. Obviamente essa taxa de juros de 13,75% é incompatível com esses objetivos. Ela está errada”, disse.
Um dos idealizadores do Plano Real, ex-diretor do Banco Central e recém-nomeado para a Comissão de Estudos Estratégicos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o economista ainda comentou na edição do programa que a Selic está “profundamente errada”, assim como a achava muito baixa quando estava menor que 3% ao ano.
“O mercado financeiro não deve sofrer mudanças bruscas de direção. Então, a condução da política monetária deve ser suave, com direcionamento e previsibilidade. Essa taxa hoje é muito alta. No mundo hoje todos os países avançados têm taxas de juros real, ou seja, a taxa nominal reduzida à taxa de inflação negativa. Ainda que estejam todas subindo, todas as taxas nominais estão em processo de ajuste para cima, porque se saiu de um período de deflação para um período de recuperação, em todo o mundo as taxas estão subindo, mas continuam negativas”, explicou.
O presidente Lula tem criticado a condução da política monetária e, também, a autonomia do Banco Central. Roberto Campos Neto foi indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para presidente a instituição, mas tem mandato até 2024, conforme a legislação que deu autonomia ao BC, aprovada em outubro de 2021. Campos Neto já deu demonstrações públicas de sua ligação com o antigo governo, ao ir votar vestindo a camisa amarela da CBF, na eleição do ano passado, uma marca do bolsonarismo, e de ter sido flagrado em um grupo de WhatsApp do qual faziam parte ex-integrantes do governo Bolsonaro, como o ex-ministro da Fazenda, Paulo Guedes.
“O problema não é Banco Central independente ou ligado ao governo, é que o Brasil tem uma cultura de juros altos que não combina com a necessidade de crescimento. Por que acabar com a TJLP pra não ter financiamento de longo prazo?”, questionou Lula recentemente. “Não tem nenhuma justificativa para que a taxa de juros esteja em 13,75%, é uma vergonha o aumento e a explicação que deram para a sociedade”, continuou o petista.
Na semana passada, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, também criticou a política monetária em entrevista a um canal de televisão. “Não há justificativa para ter juros de 13,75%, nem para a meta da inflação estar fixa em 3%”, disse, acrescentando que o Brasil “está indo na contramão do resto do mundo” com esses números. Ela disse esperar uma explicação do BC para a taxa atual, uma vez que “não temos risco fiscal no país” que os justifique.
Taxa Selic: para Bresser-Pereira, independência do Banco Central não passa de um “truque ideológico dos neoliberais”
O economista Luiz Carlos Bresser-Pereira aprovou recentemente, durante entrevista à chamada mídia alternativa, as críticas do presidente Lula a Roberto Campos Neto e à taxa básica de juros. Segundo o economista, o crescimento econômico encontra-se impedido nas condições atuais. Ele também comentou na ocasião que a chamada independência do Banco Central não passa de um “truque ideológico dos neoliberais”.
“Banco Central independente é propaganda neoliberal. Nos Estados Unidos, que é o centro do neoliberalismo, não há isto. Onde houve isto, e continua havendo até certo ponto, é na Europa. Quando eles criaram o euro, eles criaram também o Banco Central Europeu e fizeram um Banco Central independente. Inclusive, eles tiveram um problema: tornar independente de quem? Eles ficaram sem um governo Executivo, só tem o Parlamento, mas o governo eles não tinham para isso. E o resultado foi um desastre. Quando houve a crise do euro em 2010, a Europa quase quebrou. Os países do sul da Europa quase quebraram porque o presidente do BC era um imbecil”, criticou.
Bresser-Pereira lembra, ainda, que depois de demitido o presidente, seu sucessor, Mauro Draghi, “entendeu que aquilo era absurdo e resolveu garantir o financiamento dos países que estavam sendo vítimas de especulação financeira”. “E aí, então, pelo menos a crise financeira parou. Depois tinha ainda a crise econômica para resolver. Então, isso não faz sentido. Claro que é importante que o Banco Central tenha uma relativa autonomia, e isso é muito bom. E nós tivemos isso durante muitos anos e funcionava muito bem. Não havia nenhuma necessidade da aprovação de um mandato fixo para o presidente do BC. Isso está criando realmente uma situação muito desagradável”, disse.
Na opinião de Bresser-Pereira, o fato de Lula abordar agora essa questão demonstra a urgência dessas mudanças para liberar o crescimento do país. “Ele é o comandante da nação. Ele tem um programa de governo, ele tem uma responsabilidade perante a sociedade brasileira. Então, ele tem que falar forte e firme. Ele não pode ficar tentando mostrar as coisas devagarzinho, ‘vamos com calma’. Nada disso! Quando é uma coisa tão grave quanto essa, é papel dele fazer o que está fazendo, com a coragem que lhe é própria. Vamos ver o que acontece mais à frente com isto”, disse.
Lara Resende diz que argumento de que o Brasil passa por crise fiscal não se sustenta
Questinado sobre o argumento usado pelo mercado e por grande parte dos economistas neoliberais, de que o Brasil enfrenta uma crise fiscal, André Lara Resende disse na entrevista ao Canal Livre que esse argumento não se sustenta. “Primeiro, esse terrorismo é feito permanentemente, o ‘risco fiscal’. A relação dívida do PIB brasileiro, os resultados do ano passado, foi de superávit primário de 1,3%. A dívida-PIB caiu para 73%, há anos falam que vamos bater em 100%, 90%, mas esse é o nível mais baixo dos últimos seis, sete anos”, disse.
Quando confrontado com a questão sobre o risco de um déficit fiscal permanente, ele respondeu: “Pera aí, me explica por que não é sustentável? O que quer dizer risco fiscal? Risco de sustentabilidade? É a dívida. [O economista norte-americano] Jeffrey Sachs, que tivemos uma reunião ontem desse Comitê Estratégico do BNDES para investimento a longo prazo, repetiu o que me disse em um jantar no início deste mês. Se você olha as contas brasileiras, os números brasileiros e pergunta sobre o país, falam que o país está perfeitamente bem, com a economia em ordem. Há um endividamento muito inferior ao de todos os países desenvolvidos, em linha com os países em desenvolvimento. E a dívida brasileira é integralmente em moeda nacional”, pontuou.
Ele também disse que o fato de a dívida brasileira ser maior que a de países de desenvolvimento semelhante é natural. “A nossa é pouco acima dos países emergentes. Somos um país maior, e quanto mais sofisticado no mercado financeiro, maior a dívida interna”, disse ele. “Portanto, a situação fiscal brasileira é muito razoável. O Brasil tem nos últimos anos, sempre teve no século 21, em quase todos os anos, superávit primário. Alguns anos teve déficit primário e depois voltou e nesse ano voltou a ter superávit de 1,3% do PIB. Como se pode dizer que é um risco fiscal e por isso a taxa de juros tem que ser alta?”, prosseguiu.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias e do Canal Livre