Elogiado por senadores bolsonaristas e confrontado pelos da base governista, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto (PL), participou ontem (25) de audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, cujo objetivo era que explicasse as razões para uma taxa básica de juros (Selic) tão alta. No entanto, ele explicou muito pouco, esquivando-se de argumentos mais aprofundados ao dar como justificativa que o assunto é “técnico”.
Ao fim, o que muitos queriam saber, quando a taxa Selic, atualmente em 13,75% ao ano, vai começar a cair, o presidente do Banco Central não soube dizer. Vale lembrar que, na ata da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) de março passado, na qual foi decidido manter a taxa no mesmo patamar pela sexta vez consecutiva, a autoridade monetária atribuiu a queda da inflação – e, consequentemente, dos juros, a uma regra fiscal “sólida e crível”.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, assim o fez, mas nem assim o Banco Central dá mostras de que vai iniciar a trajetória de queda da Selic.
“Eu não tenho capacidade [de dizer quando o juro vai cair], até porque eu sou um voto dos nove [colegiado do Copom], de dizer quando isso vai acontecer. Mas eu acho que a gente tem explicado que é um processo técnico, que tem o seu tempo e que as coisas têm caminhado no caminho certo”, disse à comissão.
Aos senadores, Campos Neto também disse que o Brasil teria “inflação de 10% [ao ano] e Selic de 18,75% se não tivesse elevado juros em ano eleitoral”, sem explicar como chegou a essa conclusão, e, em um autoelogio, disse que o BC subiu a taxa de juros em ano eleitoral (2022), muito mais do que qualquer outro país.
Na audiência, ele foi confrontado pelo senador Cid Gomes (PDT-CE), que argumentou, usando números em um quadro, que a taxa de juros contribuiu para “tirar dos pobres e dar aos ricos”, ao turbinar os ganhos de quem vive de renda no país.
Gomes rememorou ainda a ligação do presidente do BC com o ex-presidente Jair Bolsonaro, lembrando do episódio em que foi flagrado indo votar com a camisa amarela da CBF, uma marca do bolsonarismo. Ao fim de sua fala, mostrou um boné do banco Santander, onde Campos Neto foi diretor da tesouraria antes de ser nomeado por Paulo Guedes (ex-ministro da Economia) para ocupar a Presidência do BC, e disse: “Nessa hora, eu gostaria de lhe fazer uma sugestão: pegue o seu bonezinho e peça para sair”. Campos Neto não respondeu.
Para economista Eduardo Moreira, presidente do Banco Central usa argumento técnico como fuga para não dar explicação
Na edição do ICL Notícias desta terça-feira (26), programa diário veiculado no YouTube, o economista e fundador do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), Eduardo Moreira, disse que “não tem coisa difícil de explicar, o que tem é gente incapaz de ensinar”. “Quando ele fala a história do técnico, ele não quer explicar. É uma fuga”, disse Moreira.
Ele mesmo disse ter dúvidas sobre como classificar Campos Neto, “as besteiras que ele fala”. “Não sei se ele é um bolsonarista perverso, que não está nem aí para os pobres, ou que está defendendo os interesses da Faria Lima (…), ou que ele é fraco mesmo, não tem ideia do que está falando, acredita nessa maluquice. A outra hipótese é um mix disso”, elencou.
Sobre a elocubração de que a inflação seria de mais de 10% e a taxa em 18,75%, Moreira também não vê fundamento nessa explicação. “Isso tudo é uma mentira! É uma mentira o que ele está contando porque ele não tem como cravar isso. Não existe um modelo infalível, aliás, existem modelos muito falíveis, porque o mundo está vivendo novas variáveis que se associam a outras e se comportam de uma maneiras muito diferentes. Ele se esquiva de explicar dizendo que é técnico para se mostrar muito inteligente. Mas errou muito nos últimos anos, não conseguiu entregar em nenhum deles a inflação dentro da meta”, lembrou.
Em 2021 e 2022, a inflação ficou fora do centro da meta estipulada. Para este ano, o relatório trimestral divulgado pelo BC no fim de março também prevê estouro da meta de inflação. Se as projeções do BC se concretizarem, será a terceira vez seguida que o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) ficará acima da meta de inflação. A probabilidade de o indicador ficar acima da meta é de 83%, o que demonstra que manter a política monetária adotada pelo BC não está funcionando da maneira esperada. Na versão anterior, de dezembro de 2022, a projeção indicava 57% de chance de isso acontecer.
Para Campos Neto, Lula “tem direito de falar sobre os juros”
A política monetária e, principalmente, a taxa Selic, tem sido alvo de críticas contundentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que atribui à taxa de juros alta as dificuldades para a retomada econômica do país.
Sobre isso, Campos Neto disse na audiência do Senado que Lula tem o direito de “falar sobre os juros”. “Acho que o presidente [Lula] tem direito de falar sobre os juros, em nenhum momento reclamei sobre isso. Minha função é explicar de forma técnica como o BC vê isso. O Banco Central não é culpado pelas mazelas que o país passa, o BC é ator, está no mesmo barco que o governo sempre. E tem de buscar harmonia com o governo e buscar achar solução para os problemas do país”, declarou.
Como o BC é autônomo, Campos Neto, indicado por Bolsonaro, ficará no comando da instituição até 2024.
Questionado sobre o arcabouço fiscal, que substituirá o teto de gastos (regra que limita o crescimento das despesas do governo à inflação do ano anterior), ele disse que a proposta entregue ao Congresso foi um “movimento na direção certa”.
“A gente entende que o arcabouço remove o risco de ter uma trajetória de alta grande na dívida. Mas que não tem relação mecânica [com o processo de corte de juros pelo Banco Central]”, afirmou ele.
Também disse que é preciso manter as contas públicas arrumadas para que o país obtenha crescimento sustentado no médio e longo prazos, com controle da inflação. “É muito importante a gente entender que não tem mágica no fiscal [contas públicas] e, infelizmente, nem bala de prata. Se não tiver as contas em dia, em perspectiva a gente não consegue melhorar”, frisou.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de UOL, G1 e Agência Senado