Depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central, de manter a taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano, a maior do mundo (excluindo a Argentina, cuja situação é atípica), foi a vez de Fernando Haddad (Fazenda), engrossar o coro. O ministro disse ontem (6) que a autoridade monetária poderia ter sido “um pouco mais generosa” no comunicado divulgado com a decisão, considerando as medidas econômicas anunciadas pela governo para melhorar as contas públicas.
Na última quarta-feira (1º), o Copom (Comitê de Política Monetária) manteve a taxa básica de juros em 13,75% ao ano pela quarta vez consecutiva, na primeira reunião desde que o novo governo tomou posse. No comunicado divulgado com a decisão, o Copom fez alertas sobre as incertezas fiscais e a piora nas expectativas de inflação pelo mercado financeiro, e sinalizou que deve deixar os juros no patamar atual por mais tempo.
A decisão do Copom fez Lula ampliar o arsenal de críticas desferidas contra o BC e, principalmente, em relação do presidente da instituição, Roberto Campos Neto, tido como um aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ontem, Haddad atribuiu todos os problemas enfrentados na economia como herança da gestão passada. “O que o Banco Central disse, eu creio que faz mais referência ao legado do governo anterior, do que às providências que estão sendo tomadas por este governo”, afirmou o ministro.
“Existe realmente uma situação fiscal que inspira cuidados, mas isso é uma herança que temos de administrar. Não vamos em 30 dias de governo resolver um passivo de R$ 300 bilhões que foi herdado do governo anterior”, complementou Haddad, reafirmando que o pacote econômico anunciado vai contribuir para que se consiga resultados melhores para a economia este ano. “Nesse particular, eu penso que a nota [do Copom] poderia ser um pouco mais generosa com as medidas que nós já tomamos”, acrescentou.
Em 12 de janeiro, Haddad anunciou um amplo pacote de medidas com a promessa de entregar uma melhora fiscal de R$ 242,7 bilhões nas contas públicas deste ano.
Com o desgaste da relação entre Lula e o presidente do Banco Central, há quem considere dentro do governo que Campos Neto pode perder o poder de influência para nomear dirigentes da instituição, segundo reportagem da Folha de S.Paulo.
No entendimento de pessoas do entorno de Lula, a inabilidade de Campos Neto, indicado por Bolsonaro, na condução da política monetária e, principalmente, o tom do último comunicado, gerou uma confusão entre autonomia do BC com isolamento.
O Banco Central tem autonomia desde outubro de 2021. A lei da autonomia da autoridade monetária determinou que cabe ao presidente da República a indicação dos nomes dos diretores. O PT pretendia discutir com Campos Neto a escolha e o próprio Haddad deu declarações nesse sentido. Contudo, pode ser que ele não seja ouvido, embora tenha uma ala do governo trabalhando para selar a paz entre Lula e o presidente do BC.
A própria ata do Copom divulgada nesta terça (7) foi entendida por alguns analistas como um movimento de “hasteamento de uma bandeira branca pelo BC”. No documento, o Copom afirmou que, embora só trabalhe em seus cenários com políticas já implementadas, a execução do pacote que promete uma melhora fiscal de R$ 242,7 bilhões, anunciado pelo ministro Fernando Haddad em 12 de janeiro, poderia reduzir a pressão sobre a inflação.
Economista do ICL vê razão em Lula por críticas à decisão do Copom e diz que BC serve mais à Faria Lima
Na edição desta terça-feira (7) do ICL Notícias, programa diário veiculado no YouTube, o economista e fundador do ICL, Eduardo Moreira, comentou que a grande mídia ataca o que o presidente Lula diz, transparecendo que as pessoas defendem o patamar dos juros atual no Brasil, o qual é “absolutamente atípico”. “É [os juros] uma coisa que nos prejudica no nosso dia a dia, porque o crédito que a gente toma é mais caro, o cartão de crédito é mais caro e o crédito direto ao consumidor também é mais caro. A economia anda mais devagar, as pessoas têm menos emprego, então seria natural que a gente questionasse, seria natural que a gente cobrasse de um presidente da República, que isso fosse questionado. Mas, no momento em que ele questiona, a mídia vem e vem de um jeito atropelado, que escancara o partido que a mídia toma”, criticou.
Com a experiência de quem já esteve em mesa de operações do mercado financeiro, Moreira comentou que o juro real do Brasil (descontada a inflação) é o mais alto do mundo, de 8,16%, seguido pelo México, que está em 5,39% ao ano. “O Brasil é o primeiro de longe!”, apontou.
Ou seja, a Selic é a taxa que conduz a economia, sendo usada como parâmetro para todas as demais. Quando ela está alta, encarece tudo, contribuindo para travar a economia.
Em 2022, a inflação oficial, medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) ficou em 5,79%, mas, ainda assim, o Copom manteve a Selic, pela quarta vez seguida, no patamar de 13,75%.
Como tem autonomia para conduzir a política monetária, Eduardo Moreira vê, sim, responsabilidade do BC na situação atual. Para ilustrar, ele usa como exemplo o relatório do Banco Central de dezembro de 2020, em que o Banco Central projetava uma meta de inflação de 2021 em 3,75%, com intervalo de 1,5% para mais (5,25%) e para menos (2,25%). No relatório, segundo ele, a autoridade monetária projetava 19% de chance de que a inflação fechasse no patamar mais baixo, enquanto previa 8% de chance de que fechasse maior. Errou feio.
No fim das contas, em 2021 o país apontou uma inflação oficial de 10,06%, a mais alta desde 2015. Em janeiro do ano passado, Campos Neto publicou uma carta na qual se esquivava de qualquer responsabilidade pelo estouro da meta de inflação. “Como assim não vê culpa nenhuma? O cara pode dizer o seguinte: ‘Erramos, não vimos isso, isso aqui foi acima do esperado, e a gente não levou isso em conta. A gente não levou em conta que não temos mais estoques reguladores, a gente não levou em conta a questão dos combustíveis’. Claro que errou! Se o cara faz uma previsão dizendo que a chance de ela [inflação] ficar acima de 5,25% é de 8% e fica o dobro do 5,25%, como ele diz em janeiro que o BC não vê culpa nenhuma?”, disse Moreira.
O economista ainda lembrou que a trajetória dos últimos presidentes do Banco Central está muito atrelada ao mercado financeiro. À exceção de Alexandre Tombini, presidente da instituição do governo Dilma Rousseff, que era funcionário de carreira do banco, os demais vieram ou foram para o mercado financeiro depois de passarem pelo BC. “Que independência é essa que essa turma tem?”, questionou Moreira. “O BC é independente do poder político, mas não é independente da Faria Lima. É vergonhoso o que a gente vive no Brasil em termos de estrutura financeira e a quem ela serve”, criticou.
Líder do governo no Senado diz que fala de Lula reverbera o que pensa a maioria
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), disse que as críticas de Lula à taxa de juros refletem o que pensa a maioria da população, mas afirmou que o governo não vai interferir na autonomia do BC. “O presidente está dizendo o que a maioria dos brasileiros acha: os juros no Brasil, do jeito que estão, são inibidores de investimento produtivo, de geração de emprego”, declarou o senador à Folha de S.Paulo.
“Ele não pretende desrespeitar nem o mandato, nem a autonomia do Banco Central. Não é esse o debate que está em curso”, afirmou.
Wagner acrescentou ainda que as críticas de Lula não deveriam ser interpretadas como uma forma de pressão. “O presidente está externando a opinião dele. Não quer dizer que ele espera uma consequência.”
Por fim, Wagner defendeu um diálogo entre o BC e o Ministério da Fazenda para a definição das políticas do banco. “É evidente que o ministro da Fazenda vai dialogar o tempo todo com o presidente do Banco Central, respeitada sua autonomia – o que não quer dizer que cada um está num mundo”, afirmou. “Ninguém resolve essas coisas só da sua própria cabeça.”
Pessoalmente, o senador acredita que o BC deveria levar em conta outras variáveis para decidir a taxa de juros. “Os bancos centrais do mundo inteiro estão repensando muita coisa. Muitos bancos centrais, além de se preocuparem com a questão monetária, da inflação, estão preocupados também com a estabilidade social”, afirmou.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias e da Folha de S.Paulo