Publicada MP que limita renúncia fiscal do governo Lula. Parte delas passou a valer na 6ª feira

Limite para compensação tributária das empresas já está em vigor. Demais medidas, como reoneração gradual da folha de pagamentos, começa em abril.
29 de dezembro de 2023

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicou no Diário Oficial da União (DOU), desta sexta-feira (29), a medida provisória (MP) contendo um conjunto de ações na área tributária necessárias para permitir ao país equilibrar as contas públicas e atingir déficit zero em 2024. O texto é assinado pelo presidente Lula e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

A maior parte das medidas, no entanto, passa a valer somente em abril de 2024. São três medidas, que serão encaminhadas ao Congresso Nacional por meio de uma MP, provavelmente na volta do recesso parlamentar, em fevereiro.

O Congresso tem 120 dias para analisar a medida provisória – se a votação não for concluída, o texto perde a validade. O prazo fica congelado durante o recesso parlamentar, e só deve começar a contar no início de fevereiro.

Anunciadas ontem (28) pelo ministro da Fazenda, ao lado do secretário-executivo da Fazenda, Robinson Barreirinhas, e do secretário de política econômica, Guilherme Mello, em Brasília, as medidas envolvem a limitação das compensações tributárias decorrentes de decisões judiciais; a retomada da tributação sobre o setor de eventos (Perse); e a reoneração gradual da folha de pagamentos.

Conforme ressaltou Haddad no anúncio, as medidas não aumentam a arrecadação, mas apenas reparam perdas decorrentes de decisões recentes que erodiram a base de recolhimento do governo. Na prática, são ações que substituem perda de arrecadação, com foco em manter o orçamento equilibrado, contribuindo para o governo cumprir a meta de déficit fiscal zero (equilíbrio entre receitas e despesas) em 2024, prevista no Orçamento do ano que vem.

As medidas anunciadas pelo Ministério da Fazenda reforçam viés de combate ao chamado gasto tributário, que são despesas indiretas (desonerações/incentivos fiscais) do governo. Ou seja, são situações em que não há gasto direto, mas as contas públicas são desfalcadas, pois os recursos deixam de ser arrecadados para atender segmentos específicos.

Recentemente, o Congresso derrubou o veto integral do presidente Lula à proposta que prorroga à desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia, medida já em prática há alguns anos no Brasil e que não gerou os resultados esperados, como aumento de empregos, conforme mostrado pelos economistas do ICL (Instituto Conhecimento Liberta) e outros estudos.

O anúncio de ontem são, portanto, uma resposta da equipe econômica à atitude do Congresso, que atende a lobbies de setores da indústria. “Nosso esforço continua no sentido de equilibrar as contas por meio da redução do gasto tributário no nosso país. O gasto tributário no Brasil foi o que mais cresceu, subiu de cerca de 2% do PIB para 6% do PIB”, disse o ministro ontem.

Renúncia fiscal: limite para compensação tributária das empresas já entra em vigor nesta 6ª feira

Segundo o texto publicado hoje no D.O.U, apenas uma das medidas já entra em vigor a partir desta sexta-feira: o limite para a compensação tributária das empresas. Isso significa que empresas que tenham obtido créditos tributários superiores a R$ 10 milhões não poderão abater esse valor integral (ou seja, deixar de pagar todo esse imposto) em um único ano. O uso do crédito terá de ser escalonado. Barreirinhas disse ontem que o impacto dessa medida nas contas de 2024 será de cerca de R$ 20 bilhões.

Por sua vez, as mudanças no Perse serão graduais até 2025. A desoneração sobre as contribuições sociais será extinta em maio de 2024, enquanto o benefício para o Imposto de Renda só deve acabar em 2025.

Haddad disse que havia um acordo para retomar a discussão do Perse caso os benefícios fiscais superassem uma perda de arrecadação de R$ 4 bilhões — estimada pelo Congresso. O Ministério da Fazenda estima prejuízo de R$ 16 bilhões.

Por fim, a reoneração da folha de pagamentos das empresas, por exemplo, só passa a valer em 1º de abril de 2024.

Pela regra aprovada pelo Congresso, 17 setores da economia estavam autorizados a substituir a alíquota de 20% sobre a folha de pagamentos por um pagamento de 1% a 4,5% sobre a receita bruta da empresa.

Com a MP publicada hoje, o imposto volta a incidir sobre a folha de pagamentos, mas com uma “desoneração parcial” na folha de cada trabalhador. O desconto incidirá apenas sobre um salário mínimo por trabalhador – a remuneração que ultrapassar essa faixa terá tributação normal.

A MP muda a lógica da desoneração – em vez dos 17 setores, o texto cria dois grupos de “atividades econômicas” com tributação diferenciada. Veja abaixo como fica:

  • Primeiro grupo (atividades de transporte, comunicação e tecnologia da informação): a tributação será de: 10% em 2024; 12,5% em 2025; 15% em 2026; e 17,5% em 2027.
  • Segundo grupo (atividades da indústria têxtil, da engenharia civil e do mercado editorial): a tributação será de 15% em 2024; 16,25% em 2025; 17,5% em 2026; e 18,75% em 2027.

Medidas desagradam a parlamentares e setores, mas economistas as veem como positivas

O Movimento Desonera Brasil, que reúne representantes de 17 setores da economia beneficiados com as regras, criticou a decisão do governo.

Em nota divulgada ontem, o grupo avaliou que a medida traz “insegurança jurídica para as empresas e para os trabalhadores já no primeiro dia do ano de 2024”.

Por outro lado, a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), também em nota, disse que considera a alternativa à desoneração da folha de pagamentos uma “medida acertada”. “A Abrasel entende que o conjunto de medidas anunciado pelo ministro Fernando Haddad vai na direção correta em cumprir o orçamento e buscar o déficit zero.”

Parlamentares também reagiram negativamente. Para o autor da proposta aprovada pelo Congresso, senador Efraim Filho (União Brasil-PB), a medida anunciada pelo governo “contraria uma decisão do Congresso”.

Na avaliação dele, a MP deverá enfrentar resistências na Câmara e no Senado e também traz insegurança jurídica. “Já encaminhamos ao gabinete do ministro da Fazenda o sentimento de que o ideal é que essas propostas venham por projeto de lei, até mesmo com urgência constitucional. Porque dá prazo e tempo para que o diálogo possa acontecer”, disse Efraim. “Como é que o empreendedor brasileiro irá se portar? Dia 1º de janeiro está batendo na porta. Ele vai seguir a regra da medida provisória ou da lei aprovada pelo Congresso?”, questionou.

Mas, neste caso, vale lembrar que essas regras só valem a partir de abril, ou seja, o Congresso terá tempo para avaliar a MP.

Na opinião de analistas, a MP deve ter efeito positivo sobre as contas públicas, mas não em nível suficiente para afastar o ceticismo do mercado quanto à capacidade de o governo Lula cumprir a meta de zerar o déficit primário em 2024.

O economista Matheus Pizzani, da CM Capital, disse ao InfoMoney que as medidas não foram desenhadas com vistas apenas ao resultado fiscal, mas também para dar mais previsibilidade para a arrecadação federal nos próximos anos – afetada, além do desempenho da economia como um todo, pela judicialização. No caso do Perse, ele argumenta que a revisão é “extremamente assertiva” após dois anos do programa.

“Assim como os projetos votados ao longo de dezembro, o conjunto de medidas anunciadas possui impacto significativo sobre o potencial de arrecadação – tanto de 2024, quanto para os anos subsequentes”, observou. Mas ele pondera que estimar o efeito de cada ação é tarefa muito complexa neste momento.

Redação ICL Economia
Com informações do G1, CNN e InfoMoney

 

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