Depois de quase três décadas de discussão, a reforma tributária do consumo (PEC 45/19) foi aprovada pela Câmara dos Deputados na última sexta-feira (15) e deve ser promulgada na quarta-feira (20). Apesar da aprovação, o texto é apenas o começo para a mudança no sistema tributário brasileiro. Antes da transição, é preciso a aprovação de leis complementares, que definirão, por exemplo, o tamanho da alíquota dos IVAs (Imposto sobre Valor Agregado) federal e estadual, o que deve ocorrer já no começo de 2024.
Além da simplificação dos impostos sobre o consumo, o texto aprovado prevê fundos para o desenvolvimento regional e para bancar créditos do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) até 2032, além de unificar a legislação dos novos tributos.
A proposta foi aprovada na sexta-feira, em primeiro turno, por 371 votos a 121, e, em segundo turno, por 365 a 118. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), comemorou a aprovação e anunciou que o texto poderá ser promulgado na quarta-feira.
O texto aprovado é uma mistura entre a versão da Câmara, do relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e a versão do Senado, do senador Eduardo Braga (MDB-AM). Dessa forma, será possível promulgar a proposta sem outra votação.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que a aprovação da reforma tributária é um “fato histórico” e que demonstra “maturidade” da classe política para lidar com as divergências ideológicas no Congresso.
“Essa semana foi uma demonstração de que é possível a gente fazer política com a diversidade, conseguindo aprovar as coisas de interesse do país. O fato de ter aprovado a reforma tributária ontem [sexta-feira] é um fato histórico nesse país, porque é a primeira vez que se aprova a reforma tributária num regime democrático. E foi aprovada com todas as divergências, todas as tendências possíveis dentro do Congresso”, disse, em entrevista à TV Globo.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também comemou a aprovação da reforma, mas afirmou que as exceções aprovadas passarão por um “teste de realidade”. Apesar de reconhecer o impacto e a necessidade de refazer contas, Haddad afirmou que a alíquota-base deve continuar em torno de 27,5%.
“Vamos recalcular o impacto. Quanto mais eficiente formos na transição, quanto menos litigiosidade, menos sonegação e mais transparência, tudo isso vai concorrer para a alíquota-padrão ser cada vez mais adequada. Tem um dispositivo na reforma que diz que todo governo vai ter de rever as exceções. As que foram aprovadas hoje [sexta-feira] vão ter de passar pelo teste da realidade. Até nisso a reforma tributária foi sensata”, disse, em entrevista coletiva em São Paulo.
Reforma tributária: texto prevê que lei complementar criará o IBS e a CBS. Veja o que muda
O texto aprovado na sexta-feira prevê que uma lei complementar criará o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que englobará o ICMS e o ISS (estadual e municipal) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) para substituir os impostos de esfera federal (PIS, o PIS-Importação, a Cofins e a Cofins-Importação).
Com recursos federais, aos valores atuais de R$ 730 bilhões ao longo de 14 anos e orçados por fora dos limites fiscais (Lei Complementar 200/23), a PEC cria dois fundos: um para pagar até 2032 pelas isenções fiscais do ICMS concedidas no âmbito da chamada guerra fiscal entre os estados; e outro para reduzir desigualdades regionais.
O texto estabelece ainda outras formas de compensar perdas de arrecadação com a transição para o novo formato, uma dentro do mecanismo de arrecadação do IBS e outra específica para a repartição do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que continuará a incidir apenas sobre produtos fora da Zona Franca de Manaus (ZFM) e que sejam produzidos dentro dela também. O objetivo é manter a competitividade dessa área especial de produção.
Os valores de compensação do IPI também ficarão de fora dos limites do novo regime de despesas primárias.
Conheça outras mudanças previstas no texto:
- Cesta básica e cashback: Haverá isenção do IBS e da CBS sobre produtos de uma cesta básica nacional de alimentos a ser definida em lei complementar. A cesta deverá considerar a diversidade regional e garantir alimentação saudável e nutricionalmente adequada. O texto aprovado prevê a possibilidade de criação futura, por meio de lei complementar, do chamado cashback. O mecanismo prevê a devolução de impostos para um público determinado com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda. A Câmara manteve uma mudança do Senado que torna obrigatória a devolução no fornecimento de energia elétrica e compra do gás de cozinha a essa parcela da população.
- Isenções: O texto prevê isenções de 100% ou 60% das alíquotas para determinados setores ou tipos de produtos, contanto que aquelas aplicadas aos demais sejam aumentadas para reequilibrar a arrecadação da esfera federativa (federal, estadual/distrital ou municipal/distrital). Entre os setores contemplados com redução de 60% da alíquota estão serviços de educação e saúde, medicamentos e equipamentos médicos, transporte coletivo de passageiros, insumos agropecuários, produções artísticas e culturais e alimentos destinados ao consumo humano. Uma lei complementar definirá quais os tipos de serviços ou de bens desses setores serão beneficiados.
- Profissionais liberais: A PEC também remete a uma lei complementar a definição de serviços que poderão ser beneficiados com redução de 30% das alíquotas quando prestados por profissionais cuja atuação é submetida a conselho profissional, como advogados e médicos. Como os novos tributos, a exemplo do que ocorre hoje, não atingem as empresas do Simples Nacional, serão beneficiados aqueles com faturamento anual acima de R$ 4,8 milhões. A redução de alíquota alcançará ainda serviços de natureza científica, literária, intelectual ou artística.
- Carreiras estaduais: Com a aprovação de um destaque do bloco MDB-PSD, o plenário incluiu no texto trecho vindo do Senado que o relator propunha deixar de fora. Trata-se de eliminar o subteto vigente para os salários de carreiras das administrações tributárias de estados, Distrito Federal e municípios. Em vez de o salário máximo seguir o subsídio do governador ou do prefeito, passará a valer o teto federal, atualmente o subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no valor de R$ 41.650,92.
- Alíquota teste: O IBS e a CBS dependerão de lei complementar para serem criados e sua cobrança terá um ano de teste em 2026, quando a CBS será cobrada com alíquota de 0,9% e o IBS de 0,1%. Apesar de o IBS ser um tributo estadual/municipal, tanto ele quanto a CBS poderão ser compensados pelas empresas com o devido a título de PIS/Cofins ou PIS-Importação/Cofins-Importação (no caso dos importadores). Se o contribuinte não conseguir compensar com esses tributos poderá fazê-lo com outros devidos no âmbito federal ou pedir ressarcimento em até 60 dias. O que for arrecadado com o IBS em 2026 será destinado integralmente ao financiamento da estrutura do Comitê Gestor do imposto, criado para gerir o tributo, e o excedente irá para o fundo de compensação dos incentivos do ICMS. Durante este ano, os contribuintes que cumprirem as obrigações acessórias dos dois tributos poderão ser dispensados de seu recolhimento se assim prever a lei complementar.
- CBS pleno: A partir de 2027, a CBS substituirá definitivamente os quatro tributos federais sobre bens e serviços: PIS/Cofins e PIS-Importação/Cofins-Importação. Também de 2027 em diante, o IPI será mantido apenas para os produtos competidores daqueles produzidos na Zona Franca; e entra em cena o imposto seletivo, criado para incidir sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, papel hoje exercido pelo IPI. Para 2027 e 2028, o IBS continua a ser de 0,1%, mas metade da alíquota (0,05%) será referente ao imposto estadual e a outra metade à parte municipal. Entretanto, apesar de a CBS substituir o sistema PIS/Cofins, outra parte do texto determina a redução em 0,1 ponto percentual de sua alíquota durante 2027 e 2028. Juntos, PIS e Cofins somam 3,65% no sistema cumulativo e 9,25% no sistema não cumulativo.
- Imposto seletivo: O imposto seletivo deverá ser adotado por meio de lei complementar. Inicialmente pensado para substituir o IPI, ele não incidirá sobre todos os produtos industrializados, devendo ser cobrado pela produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos definidos em lei complementar.
- Armas: Na votação de um destaque do PL, o plenário não alcançou o quórum necessário de 308 votos para manter a incidência do imposto seletivo sobre armas e munições.
- Livre comércio: As leis de criação do IBS e da CBS deverão prever mecanismos, com ou sem contrapartida, aplicáveis à Zona Franca de Manaus e também às áreas de livre comércio existentes em 31 de maio de 2023.
- Alíquotas regressivas: Quanto ao ICMS e ao ISS, a transição de 2029 a 2032 para sua extinção ocorrerá com diminuição gradativa de suas alíquotas vigentes, reduzindo-se em iguais proporções os benefícios e incentivos vinculados. A redução gradativa será feita da seguinte maneira: 90% em 2029; 80% em 2030; 70% em 2031; 60% em 2032. A partir de 2033, o ICMS e o ISS serão extintos. O Senado estipulará as alíquotas de referência do IBS. No período de 2029 a 2033, essa alíquota será usada para recompor a carga tributária diminuída dos impostos atuais.
- Tributação da renda e do patrimônio: O texto mantém as alterações propostas na Câmara a respeito da cobrança de impostos sobre renda e patrimônio, como IPVA para jatinhos, iates e lanchas. Pelo sistema atual, esses veículos não pagam o tributo. O texto permite a cobrança do imposto nos estados e prevê a possibilidade de o imposto ser progressivo em razão do impacto ambiental do veículo. Mas a PEC traz exceções. Uma delas impede a cobrança do IPVA sobre aeronaves utilizadas em serviços agrícolas. Também prevê tributação progressiva sobre heranças. O texto também estabelece uma cobrança progressiva do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), em razão do valor da herança ou da doação. Pela proposta, a cobrança será feita no domicílio da pessoa falecida. A medida tem o objetivo de impedir que os herdeiros busquem locais com tributações menores para processar o inventário. O projeto também cria regra que permite cobrança sobre heranças no exterior.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias e da Agência Câmara